São Paulo, domingo, 29 de julho de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Comer para quê?

Jornalista elabora experiência para entender os dilemas da vida de quem pode comer de tudo

Flávio Florido-01.ago.2003/Folha Imagem
Estudante almoça sozinha em refeitório; escritor descreve como nossos hábitos alimentares mudaram ao longo do tempo


GIOVANA GIRARDI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

A clássica teoria segundo a qual nós somos aquilo que comemos ganha um adendo no livro "O Dilema do Onívoro", recém-lançado no Brasil. Para o jornalista americano Michael Pollan, você é sim "o que" come, mas também "como" come.
Ao contrário de outras espécies, que têm dietas muito restritas -e para os quais comer é uma questão meramente biológica-, nós podemos nos alimentar de praticamente qualquer coisa do reino animal ou vegetal. E se isso foi uma vantagem para nossa evolução e expansão pelo mundo inteiro, hoje deixa muita gente no dilema a que Pollan se refere em seu livro. Diante de inúmeras possibilidades, às vezes parece simplesmente impossível decidir o que comer, acredita o autor.
Senão, vejamos. Para um coala, o cardápio se restringe às folhas de eucalipto. Para os humanos modernos e urbanizados, as dúvidas vão desde "carne ou massa?" na hora do almoço a "óleo de girassol ou de milho?", na frente de uma gôndola de supermercado.
Mas a dúvida está longe de ser apenas questão de gosto. Cada vez mais se trata dos possíveis benefícios e malefícios dos alimentos. Quantas vezes nos deparamos diante da dúvida sobre comer ou não comer algo porque aquilo pode aumentar nossa taxa de colesterol; se devemos abandonar a carne e sermos vegetarianos; se para viver mais é preciso se alimentar disso ou daquilo. Isso sem falar na questão calórica.

Da caça ao fast food
Pollan usa esta inquietação como fio condutor de uma espécie de história natural dos nossos hábitos alimentares. Ele investiga as origens e a evolução da nossa relação com a comida -como passamos de caçadores-coletores, que sabiam exatamente o que estavam ingerindo, para consumidores de produtos industrializados que não fazem a menor idéia do que está por trás de um nugget congelado e frito na lanchonete.
E mais do que isso: como nos deixamos influenciar por pesquisas de resultados duvidosos que dizem o que faz bem ou o que faz mal ingerir quando historicamente fomos evoluindo para distinguir essas coisas na natureza.
É bem verdade que Pollan baseia toda a sua tese na população norte-americana, paradoxalmente obesa e neurótica com dietas da moda, que ao mesmo tempo come as mais complexas gorduras, mas corta totalmente os carboidratos acreditando que vai emagrecer.
Mas de modo algum esse regionalismo tira a validade da obra aqui no Brasil. A impressão que dá é que isso tenha sido mais uma opção mercadológica que antropológica. Afinal, o sucesso dos livros de dietas mirabolantes é mundial, e a própria obra de Pollan ficou na lista dos mais vendidos por semanas nos Estados Unidos.
A idéia do jornalista foi então investigar a cadeia alimentar -na verdade as cadeias, porque ele defende que hoje existem três totalmente diferentes: a industrial, a orgânica e a "associada à esfera da caça e da coleta". O intuito era, escreve ele, "recuperar as realidades biológicas fundamentais que as complexidades da moderna indústria de alimentos fazem o possível para manter longe dos nossos olhos".
Para isso ele acompanha, do começo ao fim, cada uma dessas cadeias. Vai da plantação de milho que abastece a indústria alimentícia à fast food comida em um carro em movimento. Visita fazendas inovadoras e experimenta pratos orgânicos até encerrar sua expedição, por fim, na "refeição perfeita" -caçada, colhida e cozida com suas próprias mãos.
Para saber o que mudou na visão humana sobre alimentos, essa etapa se fazia necessária. "Esperava lançar alguma luz sobre a maneira como comemos hoje ao me impregnar da maneira como comíamos então [na pré-história]", escreve, enquanto conta o processo de aprender a caçar atirando e matando -e a crise de consciência por trás disso- até comer.
Nesta etapa, pela primeira vez ele diz ter noção exata do que estava comendo, e dos custos físicos, emocionais e financeiros de sua obtenção. Todos os produtos que estavam no prato. O prazer da refeição, diz, foi acima de tudo resultado da consciência completa.

LIVRO - "O Dilema do Onívoro"
Michael Pollan; ed. Intrínseca, 479 págs., R$ 49,9



Texto Anterior: + Marcelo Gleiser: Entidades não-biológicas
Próximo Texto: + Marcelo Leite: O gringo, a floresta e a escória
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.