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MEDICINA
Alteração de uma só "letra" do genoma de vírus facilitou o acesso a células humanas; civeta foi a fonte da doença
Grupo identifica a arma genética da Sars
REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Sutis modificações no genoma
do vírus da Sars permitiram sua
transmissão de pessoa a pessoa,
desencadeando a epidemia que
matou 800 pessoas no ano passado. Essa é uma das conclusões de
um estudo de pesquisadores na
China e nos EUA, que também
sugere qual a hora certa de cortar
esse mal pela raiz: quando ele ainda é transmitido de animais para
pessoas, não de pessoa a pessoa.
"O que nós vemos é o vírus realizando uma série de ajustes finos
para melhorar seu acesso a um
novo hospedeiro, o ser humano",
disse Chung-I Wu, da Universidade de Chicago, que assina o artigo publicado ontem na versão
on-line da revista americana
"Science" (www.scienceexpress.org) ao lado de colegas do Consórcio Chinês de Epidemiologia
Molecular da Sars (síndrome respiratória aguda grave, na abreviação em inglês), também chamada
de pneumonia atípica. "É um processo perturbador."
A equipe analisou vírus retirados de 63 pacientes chineses das
três fases que a epidemia teve desde novembro de 2002. A primeira
se caracterizou por casos isolados
e sem conexão na Província de
Guangdong (sudeste da China).
A segunda foi marcada pelo primeiro surto em massa, afetando
mais de cem pacientes de um hospital de Cantão. Um médico levou
o vírus para um hotel de Hong
Kong, o que permitiu que ele infectasse vítimas fora da China.
Das civetas para o homem
A Sars começou assustando
pouco porque, aparentemente, só
era transmitida pelo consumo da
carne de civetas (Paguma larvata), um pequeno mamífero considerado verdadeira iguaria pelos
chineses. Wu e seus colegas fortaleceram ainda mais essa relação,
ao descobrir que o genoma do vírus da primeira fase da epidemia
era idêntico ao de civetas selvagens e domésticas.
No entanto, modificações sutis
no vírus aparecem assim que começa a segunda fase da epidemia.
Uma delas, ainda difícil de ser interpretada, é o desaparecimento
de apenas 29 "letras" químicas de
RNA (a molécula-irmã do DNA
que serve de material genético para diversos vírus) das quase 30
mil que formam o genoma do coronavírus causador da Sars.
Alterações menores, afetando
uma única "letra" de RNA, podem ter sido ainda mais importantes. Elas modificaram a proteína conhecida como "spike" (esporão), que permite ao vírus se
acoplar à superfície da célula que
está invadindo. Teoricamente, a
mudança transformaria o parasita num invasor mais eficiente de
células humanas, que são ligeiramente distintas das de civetas, em
termos bioquímicos.
Uma coisa é certa: uma vez efetuadas as mudanças, o parasita
parece ter se dado tão bem que
elas foram conservadas no decorrer da epidemia, reduzindo a diversidade de cepas do vírus que
existia antes. Tanto é assim que,
depois que a epidemia foi finalmente controlada e um novo caso
isolado apareceu na China em dezembro do ano passado, a versão
do vírus presente no paciente não
tinha essas adaptações, mas era
parecida com a de civetas.
Para os pesquisadores, uma das
principais lições a serem extraídas do processo que gerou a epidemia é que se deve detê-la antes
que o vírus aprenda a se espalhar
entre humanos. Afinal, a própria
eficiência da infecção aumentou
com o tempo: no início, só 3% das
pessoas em contato com doentes
eram infectadas, número que subiu para 70% no auge da epidemia de Sars.
Finalmente, conhecer em detalhes as modificações no gene da
proteína "spike" pode levar ao
desenvolvimento de uma vacina,
capaz de bloquear a invasão das
células humanas da qual essa molécula participa.
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