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+ ciência
Pesquisas indicam função para a porção do genoma que é considerada sem utilidade
O falso lixo da célula
Getty Imagens do Brasil
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Cromossomo humano ao microscópio |
Isabel Gerhardt
da Reportagem Local
Achar a solução para o que fazer com o lixo não é
só problema de prefeitos e ambientalistas.
Cientistas também tentam encontrar uma função para o "lixo" que habita o núcleo das células. Ele está presente em todas as espécies, passando por
bactérias e plantas. No caso dos seres humanos, somente 3% do genoma contém a receita para a produção de
proteína. O resto é considerado lixo, o chamado "junk
DNA", que equivale a 97% do genoma.
Mas esse lixo talvez venha a deixar de ser considerado
como tal. Pesquisadores norte-americanos descobriram recentemente que pelo menos um tipo de "junk
DNA" pode ser responsável pela inativação de um cromossomo inteiro, o cromossomo sexual X.
O trabalho foi publicado na primeira edição de junho
da revista da academia nacional de ciências dos Estados
Unidos, a "PNAS" (Proceedings of the National Academy of Sciences).
"Junk DNA" é todo o DNA que não codifica uma proteína (gene) e do qual não se sabe a função (veja quadro
abaixo). O termo foi criado para enfatizar a porção do
genoma que aparentemente é inútil.
Existem quatro hipóteses que tentam explicar o porquê da existência do "junk DNA".
A primeira delas, chamada de hipótese neutralista,
propõe, como explicação para a sua presença no genoma, apenas a sua ligação física com os genes. Esse excesso de DNA seria resultado incidental do processo evolucionário e, por não afetar de maneira negativa o organismo, seria carregado de geração para geração.
A segunda hipótese, de seleção intragenômica, considera o "junk DNA" como um "parasita". Nesse caso, o
"junk DNA" recebe também a qualificação de "egoísta", pois existiria apenas para passar cópias dele mesmo
de uma geração para outra. Aparentemente, ele utilizaria o organismo no qual está inserido como uma máquina de sobrevivência. Como todos os parasitas, o
"junk DNA" teria o potencial de causar danos ao hospedeiro, podendo interromper a função de algum gene
importante ao se inserir no meio dele.
A terceira hipótese atribui uma função estrutural ao
"junk DNA". Esse DNA atuaria como um "esqueleto"
no núcleo da célula. Ele seria proporcional ao tamanho
da mesma. Assim, células maiores exigiriam núcleos
maiores; a maior quantidade de DNA ajudaria a aumentar o volume do núcleo.
A quarta e última hipótese afirma que o "junk DNA" é
responsável por funções essenciais, como a regulação
da atividade dos genes. De acordo com essa idéia, não
existe "junk DNA", sendo ele todo funcional.
Porção feminina
O trabalho da "PNAS" é o mais
recente reforço à última hipótese -a de que o "junk
DNA" não é tão inútil assim.
Laura Carrel, do Departamento de Genética da Escola
de Medicina da Universidade Case Western Reserve em
Ohio (EUA), uma das autoras da pesquisa, explica como ele pode estar relacionado à contenção do excesso
da "porção feminina" das mulheres.
"Enquanto homens têm o par de cromossomos sexuais composto por um cromossomo X e outro Y, as
mulheres têm dois cromossomos X. Um deles precisa
ser inativado para que não haja um desbalanço entre
homens e mulheres no que diz respeito aos genes ligados ao cromossomo X", disse Carrel à Folha por e-mail.
O "desligamento" do cromossomo X se dá a partir de
um centro de inativação que parece sair dali como um
sinal para todo o cromossomo.
Normalmente, o fluxo de informação nas células é
DNA-RNA-proteína. Só que, nesse centro de inativação, existe um gene (sequência de DNA) que codifica
um RNA diferente, que não é capaz de ser traduzido em
uma proteína.
Esse RNA é que funciona como o sinal, pois sua função é cobrir todo o cromossomo X, inativando-o.
O sinal é tão poderoso que é capaz de inativar até mesmo segmentos de qualquer um dos autossomos (cromossomos não-sexuais) que se liguem ao cromossomo
X. No entanto, essa inativação é menos eficiente do que
no cromossomo X.
Ou seja, afirma Carrel, "existe alguma coisa na composição do cromossomo X que o diferencia dos autossomos com relação à maior afinidade de ligação com o
RNA silenciador (que inativa o cromossomo)".
Usando dados do Projeto Genoma Humano, que
completou no mês passado o sequenciamento (leitura
das bases A, C, G e T) do DNA dos 23 pares de cromossomos da espécie, Carrel e seu grupo de pesquisa compararam a sequência de DNA do cromossomo X à sequência dos demais autossomos.
O resultado encontrado mostrou que o cromossomo
X é bem mais rico em sequências de "junk DNA": no caso, um tipo específico chamado Line-1 (L1). Cerca de
26% do cromossomo X é composto de L1s, diferentemente dos autossomos, que têm apenas 13% de L1s na
sua composição.
Experimentos de microscopia já haviam indicado anteriormente que o cromossomo X, tanto em seres humanos como em camundongos, era mais rico em L1s.
Os resultados de Carrel confirmaram a hipótese.
Reforçando a relação entre L1s e seu papel na inativação do cromossomo X está o fato de que 10% dos genes
nesse cromossomo escapam à inativação. Isso acontece, acredita Carrel, porque esses genes estão localizados
em regiões específicas do cromossomo X que apresentam menor porcentagem de sequências L1.
Segundo Carrel, L1s devem servir como sítios de ligação para o RNA que recobre e inativa o cromossomo X.
Ela ainda não sabe qual a natureza dessa preferência.
Contra o desperdício
Um dos principais argumentos dos que são favoráveis à idéia de que o "junk
DNA" tem uma função no genoma e de que ele não está
ali à toa é que uma das características-chave nos modelos de organização biológica é a otimização dos gastos
de energia.
Um exemplo é o formato que uma proteína assume
no espaço tridimensional. Ela sempre terá tendência a
assumir formas de menor energia.
Carregar uma quantidade elevada de moléculas desnecessárias e sem função é contrário ao espírito de economia de energia nas células.
Várias evidências indicam que o "junk DNA" possa
exercer funções regulatórias, influindo no comportamento dos genes. Ele tanto pode aumentar a "frequência" com que um gene é ativado para produzir mais
proteína, como reprimir sua atividade. Pode ainda estar
envolvido na especificidade do tipo de tecido onde determinado gene será ativado.
Outros pesquisadores acreditam que o "junk DNA"
esteja ainda relacionado ao desenvolvimento de novas
espécies ao longo da evolução.
Ou seja, pesquisas mostram que o nome "junk DNA"
parece ser injusto. Apesar de essas regiões não corresponderem àquelas especificamente capazes de ditar a
produção de proteínas, elas parecem possuir importante função regulatória. O conceito e o nome "junk DNA"
certamente precisam ser reciclados.
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