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Micro/Macro
Um Sol inquieto
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
O Sol está passando por momentos
difíceis. Nós, aqui na Terra, temos a
impressão de que ele é um objeto pacífico, uma fonte constante de luz e calor, estável para sempre. Nada como uma
enorme distância para esconder imperfeições e crises. Afinal, são 150 milhões
de quilômetros entre a Terra e o "astro
rei". A noção de que o Sol é um objeto
perfeito foi sustentada pelos aristotélicos
desde a Grécia Antiga. Ela só veio desaparecer no início do século 17, quando o
italiano Galileu Galilei e astrônomos jesuítas descobriram as famosas "manchas solares", que, nos seus telescópios,
pareciam pontos negros sobre a superfície solar ou próximos dela.
Deixando a interessante polêmica entre Galileu -que corretamente afirmava
que as manchas eram parte da estrela-
e os jesuítas -que afirmavam que as
manchas eram planetas muito próximos
do Sol-, ficou claro que o Sol não era
um astro perfeito.
Longe disso. Com massa 300 mil vezes
maior que a da Terra, raio cem vezes
maior e temperatura, na superfície, de
aproximadamente 6.000 graus Celsius, o
Sol é um monstro em constante ebulição, cuja enorme quantidade de matéria
é comprimida constantemente pela gravidade. No seu interior, hidrogênio -o
elemento mais leve da Natureza, compondo 91,2% da matéria solar- se funde para formar hélio, o próximo na linhagem química. Esse processo de fusão
nuclear é o responsável pela enorme
quantidade de energia produzida pelo
Sol, promovendo sua estabilidade contra
a inexorável compressão gravitacional.
Para que a fusão nuclear possa ocorrer,
a temperatura no centro solar chega a
atingir 15 milhões de graus, enquanto a
densidade da matéria é de 150 toneladas
por metro cúbico, 20 vezes maior que a
densidade do ferro.
Claro que um objeto que tem uma
temperatura de milhões de graus no centro e de milhares de graus na superfície
não pode ser lá muito pacífico. O calor
gerado na região central flui por meio da
matéria solar, criando correntes de convecção extremamente complexas; enquanto a matéria superaquecida vinda
do interior solar viaja para a superfície, a
matéria da superfície, relativamente
mais fria, afunda para o interior.
Esse ir e vir cria padrões de convecção
(parecidos com rocamboles) que transportam energia para a superfície em movimentos rotatórios. Perto da superfície
solar, a densidade do gás fica tão pequena que essas correntes de convecção não
podem mais ser mantidas. Chegamos à
fotosfera, a superfície que vemos do Sol,
onde o transporte de energia se dá por
meio de radiação.
A fotosfera é tão estreita que mal pode
esconder o caos térmico das correntes de
convecção logo abaixo. Fotos do Sol tiradas por vários satélites e telescópios revelam uma superfície marcada por inúmeras erupções e "sucções" de gás incandescente, com uma granulosidade parecida com um prato de feijão e arroz: as
erupções emergindo, as sucções afundando. Cada grão, porém, tem em torno
de mil quilômetros de diâmetro e desaparece em 5 ou 10 minutos.
O aparecimento das manchas solares
marca períodos em que a sopa solar ferve
com mais energia do que o normal. Obedecendo a um ciclo de aproximadamente 11 anos, essas manchas parecem escuras porque são mais frias ("apenas" 4.500
graus!) do que a superfície solar. Além
disso, elas estão intimamente ligadas ao
magnetismo do Sol. Assim como a Terra,
o Sol também tem seu campo magnético, causado pela combinação dos movimentos de rotação e de convecção da
matéria ionizada (matéria que tem elétrons faltando) em seu interior.
As manchas aparecem em pares: uma
com pólo positivo e outra com pólo negativo, como ímãs gigantescos, maiores
que a Terra. Esses são os períodos das
tempestades solares, quando mudanças
bruscas no campo magnético solar causam erupções de bilhões de toneladas de
matéria, viajando a mais de 5 milhões de
quilômetros por hora.
Estamos passando pelo clímax de uma
dessas tempestades. Em geral, elas causam a belíssima aurora boreal, quando
uma fração dessa matéria é capturada
pelo campo magnético da Terra. Também causam problemas com recepção
de rádio na Terra e com o funcionamento de satélites, além de dificuldades com
usinas elétricas. Mas não há motivo para
alarme: o Sol, com ou sem tempestades,
continuará a brilhar "pacificamente" por
mais uns 5 bilhões de anos.
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