São Paulo, domingo, 30 de julho de 2000


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Micro/Macro

Um Sol inquieto

Marcelo Gleiser
especial para a Folha

O Sol está passando por momentos difíceis. Nós, aqui na Terra, temos a impressão de que ele é um objeto pacífico, uma fonte constante de luz e calor, estável para sempre. Nada como uma enorme distância para esconder imperfeições e crises. Afinal, são 150 milhões de quilômetros entre a Terra e o "astro rei". A noção de que o Sol é um objeto perfeito foi sustentada pelos aristotélicos desde a Grécia Antiga. Ela só veio desaparecer no início do século 17, quando o italiano Galileu Galilei e astrônomos jesuítas descobriram as famosas "manchas solares", que, nos seus telescópios, pareciam pontos negros sobre a superfície solar ou próximos dela.
Deixando a interessante polêmica entre Galileu -que corretamente afirmava que as manchas eram parte da estrela- e os jesuítas -que afirmavam que as manchas eram planetas muito próximos do Sol-, ficou claro que o Sol não era um astro perfeito.
Longe disso. Com massa 300 mil vezes maior que a da Terra, raio cem vezes maior e temperatura, na superfície, de aproximadamente 6.000 graus Celsius, o Sol é um monstro em constante ebulição, cuja enorme quantidade de matéria é comprimida constantemente pela gravidade. No seu interior, hidrogênio -o elemento mais leve da Natureza, compondo 91,2% da matéria solar- se funde para formar hélio, o próximo na linhagem química. Esse processo de fusão nuclear é o responsável pela enorme quantidade de energia produzida pelo Sol, promovendo sua estabilidade contra a inexorável compressão gravitacional.
Para que a fusão nuclear possa ocorrer, a temperatura no centro solar chega a atingir 15 milhões de graus, enquanto a densidade da matéria é de 150 toneladas por metro cúbico, 20 vezes maior que a densidade do ferro.
Claro que um objeto que tem uma temperatura de milhões de graus no centro e de milhares de graus na superfície não pode ser lá muito pacífico. O calor gerado na região central flui por meio da matéria solar, criando correntes de convecção extremamente complexas; enquanto a matéria superaquecida vinda do interior solar viaja para a superfície, a matéria da superfície, relativamente mais fria, afunda para o interior.
Esse ir e vir cria padrões de convecção (parecidos com rocamboles) que transportam energia para a superfície em movimentos rotatórios. Perto da superfície solar, a densidade do gás fica tão pequena que essas correntes de convecção não podem mais ser mantidas. Chegamos à fotosfera, a superfície que vemos do Sol, onde o transporte de energia se dá por meio de radiação.
A fotosfera é tão estreita que mal pode esconder o caos térmico das correntes de convecção logo abaixo. Fotos do Sol tiradas por vários satélites e telescópios revelam uma superfície marcada por inúmeras erupções e "sucções" de gás incandescente, com uma granulosidade parecida com um prato de feijão e arroz: as erupções emergindo, as sucções afundando. Cada grão, porém, tem em torno de mil quilômetros de diâmetro e desaparece em 5 ou 10 minutos.
O aparecimento das manchas solares marca períodos em que a sopa solar ferve com mais energia do que o normal. Obedecendo a um ciclo de aproximadamente 11 anos, essas manchas parecem escuras porque são mais frias ("apenas" 4.500 graus!) do que a superfície solar. Além disso, elas estão intimamente ligadas ao magnetismo do Sol. Assim como a Terra, o Sol também tem seu campo magnético, causado pela combinação dos movimentos de rotação e de convecção da matéria ionizada (matéria que tem elétrons faltando) em seu interior.
As manchas aparecem em pares: uma com pólo positivo e outra com pólo negativo, como ímãs gigantescos, maiores que a Terra. Esses são os períodos das tempestades solares, quando mudanças bruscas no campo magnético solar causam erupções de bilhões de toneladas de matéria, viajando a mais de 5 milhões de quilômetros por hora.
Estamos passando pelo clímax de uma dessas tempestades. Em geral, elas causam a belíssima aurora boreal, quando uma fração dessa matéria é capturada pelo campo magnético da Terra. Também causam problemas com recepção de rádio na Terra e com o funcionamento de satélites, além de dificuldades com usinas elétricas. Mas não há motivo para alarme: o Sol, com ou sem tempestades, continuará a brilhar "pacificamente" por mais uns 5 bilhões de anos.



Texto Anterior: Em breve
Próximo Texto: Periscópio - José Reis: Vulcanismo e extinção dos dinossauros
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.