São Paulo, segunda-feira, 30 de agosto de 2004

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CLIMATOLOGIA

Time de cientistas perfura cordilheira sob camada de gelo em busca de sedimentos com 50 milhões de anos

Ártico guarda registro climático da Terra

DA ASSOCIATED PRESS

Um grupo internacional de cientistas acredita que um registro detalhado do clima da Terra nos últimos 50 milhões de anos está guardado numa cadeia de montanhas sob as águas do Ártico, perto do pólo Norte.
Começando neste mês, eles fazem perfurações nessa cordilheira pela primeira vez, num esforço complexo que envolve três navios e tecnologia de ponta da indústria petrolífera para extrair sedimentos que poderão contar a história do clima e ajudar a explicar como os humanos alteram o planeta.
"É como se fosse um livro", disse Kate Moran, professora de engenharia oceanográfica da Universidade de Rhode Island (EUA) e co-diretora da Acex (Expedição de Amostragem do Ártico, na sigla em inglês). "Nós estamos voltando nas páginas do tempo."
Há décadas os cientistas têm tentado fazer essa viagem, mas nunca antes conseguiram obter uma combinação ideal de navios quebra-gelo e o equipamento de perfuração necessário.
Na maior parte da expedição, que deve terminar no meio de setembro, os pesquisadores estarão empoleirados sobre a cadeia de Lomonosov, a cerca de 250 quilômetros do pólo. Eles farão três buracos de 500 metros sob o leito oceânico para extrair os sedimentos necessários para completar o registro histórico. As amostras serão analisadas na Universidade de Bremen (Alemanha).
Os cientistas esperam que as amostras de sedimento possam ajudá-los a entender melhor dois fatores particulares do Ártico que, acredita-se, determinam o clima da Terra. O primeiro é a descarga de água doce dos rios da região e seu efeito nas correntes submarinas que regulam a temperatura oceânica. O segundo é o gelo marinho, que reflete a luz do Sol e age como termostato do planeta.

Causas e efeitos
As geleiras, a radiação solar e a rotação e a órbita da Terra são os principais fatores a afetar o clima. Mas teorias sobre qual é o papel do Ártico até agora têm sido, na maioria das vezes, "chutes educados", afirmam os líderes da expedição na página da Acex na internet (www.rcom-bremen.de/English/IODP.html). Moran chama o Ártico de "grande caixa preta".
Os pesquisadores acreditam que os oceanos eram cerca de 12C mais quentes 50 milhões de anos atrás, e então começaram a congelar, o que resultou numa era glacial que começou há 3 milhões de anos e dura até hoje. As questões que eles querem responder são por que o congelamento começou e quão rápido aconteceu.
Hoje, afirmam os cientistas, as banquisas do Ártico estão diminuindo. A expedição diz que o gelo marinho recuou 5% nas últimas três décadas, uma redução equivalente aos territórios da França e da Alemanha somados. Sem essa massa de gelo, dizem, a Terra continuará a esquentar na medida que absorver mais calor, porque há menos superfície congelada para refletir os raios do Sol.
Moran afirma que os extratos de sedimentos mostrarão quanto gelo desapareceu, e quando isso ocorreu. "Provavelmente veremos uma diminuição contínua no gelo, mas não sabemos com que rapidez as mudanças afetarão o clima", explicou Moran. "Então, usaremos o registro nos sedimentos para ver quão rápido ou devagar o gelo se formou no Ártico."
Os extratos também podem mostrar como as correntes marítimas que têm origem no Atlântico Norte e passam por todo o mundo afetam o clima. As correntes carregam água gelada até a Antártida e até os oceanos Pacífico e Índico -onde a água é aquecida antes de voltar para o Ártico.
Por causa do aquecimento global e do derretimento do gelo ártico, a corrente pode enfraquecer e diminuir o fluxo de água quente na Europa, o que causaria um resfriamento no clima europeu. Ninguém sabe quais seriam os efeitos no quadro climático mundial.
Enquanto isso, outros cientistas -incluindo o co-diretor da expedição Jan Backman, da Universidade de Estocolmo (Suécia)- examinarão organismos fossilizados nos sedimentos ou vivos nas entranhas da Terra.
David Smith, um biólogo oceanográfico da Universidade de Rhode Island, especula que pelo menos 10% da biomassa do planeta vive sob a superfície. Ele e outros pesquisadores usarão o material recolhido para saber se a vida é realmente abundante debaixo do solo como pensam.
"Não há razão para acreditar que não há vida", disse Smith. "A pergunta é quanto existe."


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