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São Paulo, terça-feira, 30 de setembro de 2003

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GEOLOGIA

Temperatura de 1.150C é a maior para mineral aflorado; fim de oceano e nascimento de montanhas alterou cristais

Rochas de Goiás batem o recorde de calor

REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Em pleno planalto Central, pesquisadores da UnB (Universidade de Brasília) acharam marcas de um dos episódios geológicos mais violentos do planeta. Rochas formadas a 1.150C (a maior temperatura para minerais encontrados na superfície até hoje) testemunham o fim de um oceano e o nascimento de uma cordilheira.
Essas pedras "sui generis" foram identificadas pelo geólogo Reinhardt Fuck, 63, do Instituto de Geociências da UnB, perto das cidades de Goiânia e Anápolis, em Goiás. "A gente teve sorte de encontrar essas rochas", diz Fuck, que trabalhou com Renato de Moraes, hoje na Universidade Federal do Rio de Janeiro, e com o britânico Michael Brown, da Universidade de Maryland (EUA).
Já se sabia havia tempos que os granulitos, como são conhecidas as rochas da região estudadas pelo trio, tinham passado por uma situação das mais traumáticas quando se formaram, há cerca de 640 milhões de anos: a própria estrutura delas sugere um ambiente de alta temperatura e pressão.
"O que fez a gente desconfiar foi a composição", explica Fuck. "Minerais como a safirina [um composto de sílica, alumínio e magnésio] só se formam em condições de temperatura elevada." Além disso, havia a associação próxima desses cristais com quartzo -algo que só ocorre num calor de 1.000C ou mais, já que do contrário a dupla não é estável quando misturada.
Foi a quantidade de alumínio nas amostras que permitiu estimar a temperatura recorde. "Um dos minerais, o ortopiroxênio, que é um silicato de ferro e magnésio, só contém alumínio quando a temperatura na qual ele foi formado é muito alta. Nas nossas amostras, encontramos o teor de alumínio mais elevado do mundo todo", afirma Fuck.
Supõe-se que as rochas tenham sido enterradas a imensas profundidades, sendo transformadas pela temperatura e pela pressão, emergindo depois para as posições que ocupam hoje em afloramentos no alto de morros e em rios e córregos.
Fuck e seus colegas têm uma idéia razoavelmente boa de como essa mudança radical ocorreu. As rochas "amassadas" foram vítimas do fim do oceano (quase tão grande quanto o Atlântico) que um dia separou o leste do Brasil do que hoje é a Amazônia.
Arrastados pelas placas tectônicas (as "balsas" sobre as quais flutuam os continentes), os dois núcleos se chocaram -e o resultado não foi nada bonito. ""É como se um trepasse em cima do outro", compara Fuck. A crosta terrestre na região ficou com algo em torno de 70 km, o dobro da espessura normal, e as rochas que ficaram por baixo acabaram afundando na parte mais "viscosa" e quente do manto da Terra. Uma cordilheira com picos de 6.000 ou 7.000 m de altura surgiu onde hoje está o planalto Central.

Ascensão rápida
Resta saber, no entanto, como as rochas que levaram a pior nessa bagunça toda vieram parar na superfície. "Rapaz, se eu soubesse isso eu ganhava o Nobel", brinca Fuck. "A ascensão deve ter sido relativamente rápida, porque do contrário essas rochas não estariam intactas, mas teriam reagido entre si", afirma o geólogo.
Talvez o efeito combinado da erosão e do próprio peso da imensa cordilheira tenham feito com que ele "murchasse", deixando as rochas transformadas mais perto do nível atual do solo. De qualquer forma, diz Fuck, as rochas superaquecidas ajudam a entender melhor quais as condições presentes nesses grandes choques continentais do passado.
Parte dos resultados foi publicada no ano passado na revista especializada "Journal of Petrology" (petrology.oupjournals.org). Novos dados deverão ser apresentados no encontro da Sociedade Geológica da América, em novembro, em Seattle (EUA). A pesquisa contou com a participação do Serviço Geológico do Brasil.


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