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GEOLOGIA
Temperatura de 1.150C é a maior para mineral aflorado; fim de oceano e nascimento de montanhas alterou cristais
Rochas de Goiás batem o recorde de calor
REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Em pleno planalto Central, pesquisadores da UnB (Universidade
de Brasília) acharam marcas de
um dos episódios geológicos mais
violentos do planeta. Rochas formadas a 1.150C (a maior temperatura para minerais encontrados
na superfície até hoje) testemunham o fim de um oceano e o nascimento de uma cordilheira.
Essas pedras "sui generis" foram identificadas pelo geólogo
Reinhardt Fuck, 63, do Instituto
de Geociências da UnB, perto das
cidades de Goiânia e Anápolis, em
Goiás. "A gente teve sorte de encontrar essas rochas", diz Fuck,
que trabalhou com Renato de
Moraes, hoje na Universidade Federal do Rio de Janeiro, e com o
britânico Michael Brown, da Universidade de Maryland (EUA).
Já se sabia havia tempos que os
granulitos, como são conhecidas
as rochas da região estudadas pelo trio, tinham passado por uma
situação das mais traumáticas
quando se formaram, há cerca de
640 milhões de anos: a própria estrutura delas sugere um ambiente
de alta temperatura e pressão.
"O que fez a gente desconfiar foi
a composição", explica Fuck.
"Minerais como a safirina [um
composto de sílica, alumínio e
magnésio] só se formam em condições de temperatura elevada."
Além disso, havia a associação
próxima desses cristais com
quartzo -algo que só ocorre
num calor de 1.000C ou mais, já
que do contrário a dupla não é estável quando misturada.
Foi a quantidade de alumínio
nas amostras que permitiu estimar a temperatura recorde. "Um
dos minerais, o ortopiroxênio,
que é um silicato de ferro e magnésio, só contém alumínio quando a temperatura na qual ele foi
formado é muito alta. Nas nossas
amostras, encontramos o teor de
alumínio mais elevado do mundo
todo", afirma Fuck.
Supõe-se que as rochas tenham
sido enterradas a imensas profundidades, sendo transformadas pela temperatura e pela pressão,
emergindo depois para as posições que ocupam hoje em afloramentos no alto de morros e em
rios e córregos.
Fuck e seus colegas têm uma
idéia razoavelmente boa de como
essa mudança radical ocorreu. As
rochas "amassadas" foram vítimas do fim do oceano (quase tão
grande quanto o Atlântico) que
um dia separou o leste do Brasil
do que hoje é a Amazônia.
Arrastados pelas placas tectônicas (as "balsas" sobre as quais flutuam os continentes), os dois núcleos se chocaram -e o resultado
não foi nada bonito. ""É como se
um trepasse em cima do outro",
compara Fuck. A crosta terrestre
na região ficou com algo em torno
de 70 km, o dobro da espessura
normal, e as rochas que ficaram
por baixo acabaram afundando
na parte mais "viscosa" e quente
do manto da Terra. Uma cordilheira com picos de 6.000 ou 7.000
m de altura surgiu onde hoje está
o planalto Central.
Ascensão rápida
Resta saber, no entanto, como
as rochas que levaram a pior nessa bagunça toda vieram parar na
superfície. "Rapaz, se eu soubesse
isso eu ganhava o Nobel", brinca
Fuck. "A ascensão deve ter sido
relativamente rápida, porque do
contrário essas rochas não estariam intactas, mas teriam reagido
entre si", afirma o geólogo.
Talvez o efeito combinado da
erosão e do próprio peso da imensa cordilheira tenham feito com
que ele "murchasse", deixando as
rochas transformadas mais perto
do nível atual do solo. De qualquer forma, diz Fuck, as rochas
superaquecidas ajudam a entender melhor quais as condições
presentes nesses grandes choques
continentais do passado.
Parte dos resultados foi publicada no ano passado na revista especializada "Journal of Petrology"
(petrology.oupjournals.org).
Novos dados deverão ser apresentados no encontro da Sociedade Geológica da América, em novembro, em Seattle (EUA). A pesquisa contou com a participação
do Serviço Geológico do Brasil.
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