São Paulo, domingo, 30 de setembro de 2007

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Trechos

"Agora ele tinha de batalhar para aprender não só a tocar Chopin, mas também a dar forma àquela música que tocava continuamente em sua cabeça, tentar reproduzi-la ao piano, registrá-la no papel. "Era uma luta terrível", disse. "Eu me levantava às quatro da madrugada e tocava até sair para trabalhar, e quando voltava para casa ficava ao piano até a hora de ir dormir. Minha mulher não estava gostando nada. Eu estava possuído."
Descrição de Oliver Sacks sobre Tony Cicoria, um cirurgião que nunca foi muito ligado à música até ser atingido por um raio. Depois disso, ele passou a "sentir um desejo insaciável de ouvir música". Logo depois, começou a "ouvir música na cabeça", aprendeu a tocar piano, virou compositor. Divorciou-se da mulher, "mas seu coração e sua mente agora estavam na música".

"Faz vinte anos que Clive teve a encefalite e, para ele, nada avançou. Pode-se dizer que ele ainda está em 1985 ou, considerando sua amnésia retrógrada, em 1965. Em alguns aspectos, ele não está em lugar nenhum; saiu totalmente do espaço e do tempo. Ele não tem mais nenhuma narrativa interna, não leva uma vida no sentido em que o resto de nós o faz. E no entanto só precisamos vê-lo ao teclado com Deborah para sentir que nesses momentos ele volta a ser ele mesmo e está plenamente vivo."
Sacks sobre Clive Wearing, músico e musicólogo que sofreu uma séria infecção no cérebro e perdeu completamente a capacidade de formar novas memórias. Ele se lembra apenas da mulher, Deborah, e da música.

"Alguns eram incapazes de tomar a iniciativa para dar um passo, mas podiam ser levados a dançar e então faziam-no com desenvoltura. Alguns mal conseguiam proferir uma sílaba (...), mas às vezes conseguiam cantar, alto e claro."
Sobre os pacientes pós-encefalíticos que pela primeira vez lhe chamaram a atenção para o poder terapêutico da música.

"Minha filha Gloria possui uma melodiosa voz de soprano e pode tocar no acordeão quase toda música que ouve. Tem um repertório de aproximadamente 2 mil músicas (...), mas não é capaz de somar cinco e três nem de cuidar independentemente de suas necessidades básicas."
Carta de Howard Lenhoff a Sacks descrita no livro. Gloria sofre de uma rara doença conhecida como síndrome de Williams, que provoca profundas deficiência cognitivas nos portadores. Em compensação, praticamente todos compartilham paixão por música, e não é rara a ocorrência de ouvido absoluto, capacidade de distinguir o tom de qualquer nota.

"Cantar não só diz: "Estou vivo, estou aqui", mas pode expressar pensamentos e sentimentos que em dados momento não têm possibilidade de ser expressos pela fala. Ser capaz de cantar palavras pode ser muitos tranqüilizador para tais pacientes, pois mostra-lhes que suas habilidades de linguagem não estão irrecuperavelmente perdidas, que as palavras ainda estão "neles", em algum lugar, embora seja preciso música para fazê-las aflorar."
Sacks sobre pacientes com afasia, que se tornam incapazes de se comunicar verbalmente, mas que muitas vezes conseguem fazê-lo através de cantos.


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