São Paulo, quarta, 30 de setembro de 1998

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CIÊNCIA
Pesquisadores estudam incidência de quatro tumores no Japão e em imigrantes e descendentes de japoneses em São Paulo
Câncer atinge mais nissei do que japonês

ÁLVARO MONTENEGRO
free-lance para a Folha

A cidade de São Paulo se transformou no laboratório de um grupo de cientistas que quer descobrir, com a ajuda do governo do Japão, como a mudança para o Brasil transformou a saúde dos imigrantes japoneses e seus descendentes.
Um estudo vem traçando as diferenças de estilo de vida, hábitos alimentares e a incidência de doenças entre os japoneses residentes no Japão e os imigrantes que moram em São Paulo.
Nos quatro tipos de câncer estudados, os imigrantes e seus descendentes são mais vulneráveis em três, além de ter maior risco de desenvolver doenças cardíacas.
Os resultados indicam que esse grupo apresenta nível médio de colesterol de 214 mg/dl (miligrama por decilitro) de sangue, cerca de 8% mais alto do que os japoneses residentes no Japão.
Além disso, a pressão sanguínea dos imigrantes e descendentes é aproximadamente 6,4% mais alta, com a média japonesa da pressão diastólica (no momento em que coração se dilata) em 81,82 mm/Hg (milímetros de mercúrio) contra 87 mm/Hg dos imigrantes.
"Ainda não sabemos as causas dessas disparidades, mas os indícios apontam para as diferenças nos hábitos alimentares", diz Lucy Ito, coordenadora do projeto.
Os imigrantes comem maior quantidade de carne vermelha e mais derivados do leite que os japoneses residentes no Japão.
A carne vermelha volta a ser a vilã, dessa vez associada ao cigarro, na explicação dos maiores índices de incidência de câncer de mama nas japonesas de São Paulo.
A dieta explicaria também por que 80,3% dos cânceres nos residentes do Japão são causados por tumores no estômago, comparado com 69,3% nos imigrantes.
No Japão, a população consome menos fibras e mais sal, hábitos relacionados a esse câncer, diz Ito.
Ela afirma que uma das vantagens desse tipo de estudo é a comparação de grupos que, apesar de geneticamente semelhantes, foram submetidos a grandes diferenças ambientais.
Dessa forma, pode-se saber com mais segurança se uma doença está de fato associada a determinado comportamento ou é causada por uma predisposição genética presente em um dos grupos.
Mas a interpretação dos resultados nem sempre é tão simples. Ito não é capaz de explicar, por exemplo, por que o câncer de próstata é mais comum entre os imigrantes.
A situação é mais intrigante ainda no caso dos tumores do cólon (trecho do intestino grosso), que foram relacionados à pequena ingestão de fibras. A incidência dessa doença é menor entre os japoneses residentes no Japão, que comem menos fibras que os imigrantes.
A partir desses resultados, baseados em dados oficiais do Japão e na análise de 411 pessoas em São Paulo, um grupo formado por cientistas brasileiros e japoneses vai conduzir um estudo maior.
Coordenado pelo Centro de Pesquisa do Hospital Santa Cruz, o projeto tem a colaboração do Centro Nacional do Câncer do Japão. Orçado em US$ 1 milhão, o estudo começa no próximo mês e pretende acompanhar 10 mil pessoas durante cinco anos.



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