|
Próximo Texto | Índice
PALEONTOLOGIA
Fósseis indicam que sistema nervoso desses répteis alados era mais especializado que o de aves modernas
Cérebro de pterossauro nasceu para o vôo
REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA
A expressão "cérebro de passarinho" soaria tão ofensiva para
um pterossauro, no que respeita à
sua habilidade para voar, quanto
para qualquer ser humano, em relação à sua inteligência. A conclusão vem de um modelo virtual do
cérebro desses répteis voadores
extintos -entre eles um famoso
fóssil brasileiro- criado por
cientistas dos EUA, que revela regiões neurais maiores e mais especializadas no controle de equilíbrio e destreza no vôo do que as
de seus parentes com penas.
Isso não quer dizer que as criaturas voassem melhor que o pardal da esquina, mas certamente
indica que falta de sofisticação
não esteve entre as causas da extinção dos bichos, que dominaram os céus da Terra por quase
100 milhões de anos.
"É fantástico. Eles começaram
com o cérebro de um lagarto e o
construíram do nada", afirma o
biólogo Lawrence Witmer, 44, da
Universidade de Ohio.
Witmer é o coordenador do estudo que sai hoje na revista científica "Nature" (www.nature.com),
mas outra de suas estrelas é um
nordestino de 115 milhões de
anos. Trata-se do fóssil do pterossauro Anhanguera santanae, descoberto na chapada do Araripe
(que engloba partes de Ceará e
Pernambuco) em 1985.
O bicho brasileiro tinha 4 m de
uma ponta a outra das asas, enquanto o outro animal analisado
pelo estudo, o alemão Ramphorynchus muensteri, tem 150
milhões de anos e asas que mediam 1,10 m de envergadura. "Como a maioria dos fósseis de pterossauro é delicada e está esmagada, escolhemos esses espécimes
porque eles não sofreram esse tipo de distorção", afirma Witmer.
Tomografias
Os crânios dos dois répteis alados foram submetidos a uma tomografia computadorizada de
raios X -uma forma de os pesquisadores conseguirem enxergar
em detalhe a região que abrigava
o cérebro. Segundo Witmer, é a
melhor imagem que já se conseguiu do cérebro e do ouvido interno desses animais, capaz de oferecer informações sobre a dimensão das diferentes áreas do órgão.
A reconstrução feita com base
nesses dados não é um retrato
perfeito do cérebro, mas passa
bastante perto, já que o órgão e os
vasos sanguíneos que o circundam se encaixam milimetricamente dentro do crânio. "O que,
infelizmente, nós não obtemos
com isso é a fiação cerebral, ou seja, como uma área estava conectada com a outra", diz o biólogo.
De cara, a análise confirmou
que os bichos tinham um cérebro
maior que o de qualquer réptil vivo em relação ao corpo, mas menor do que o que aparece nas
aves. Por outro lado, a organização geral do órgão lembrava bastante a dos pássaros.
"É um resultado que nós já tínhamos observado em 1996, em
outros pterossauros do Araripe",
afirma o paleontólogo Alexander
Kellner, 42, do Museu Nacional
da UFRJ (Universidade Federal
do Rio de Janeiro). Em parceria
com Diógenes de Almeida Campos, foi Kellner quem descreveu e
batizou o A. santanae. Para o brasileiro, os dados da tomografia
são o principal avanço do novo
trabalho sobre o espécime.
Witmer e seus colegas vão além.
Eles descobriram que os canais
semicirculares (áreas do ouvido
interno que respondem pelo
equilíbrio) e os lobos floculares
(que coordenam movimentos da
cabeça, pescoço e corpo) são bem
mais desenvolvidos do que o de
répteis modernos ou aves. Os canais têm o dobro do tamanho dos
das aves, enquanto os lobos respondem por nada menos que 7%
do cérebro, quando não passam
de 1% a 2% nos pássaros.
Membrana sensorial
Para Witmer, essa sofisticação
toda se explica pela diferença de
material nas asas. Aves têm penas,
enquanto os pterossauros tinham
uma complexa membrana de fibras, músculos e nervos entre
seus membros -alguns fósseis
até preservaram esses tecidos.
"Tudo isso se tornaria um novo
órgão sensorial, que mandaria informações sobre o quanto a
membrana está esticada, direção
e força do vento e como os movimentos do pterossauro influenciam isso", especula o biólogo.
Com esse "computador de bordo", os pterossauros ganhariam
grande estabilidade e flexibilidade
de vôo, tornando-se capazes de
manter o olhar fixo na vítima no
meio de manobras complicadas.
Seria algo indispensável para predadores alados cujo tipo de vida
mais comum parece ter sido a caça de peixes no mar ou em lagoas
costeiras (caso do Araripe).
Kellner diz que a teoria de Witmer é válida, mas difícil de provar.
O paleontólogo ressalta a necessidade de combinar os dados do cérebro com o resto do esqueleto
para avaliar a eficiência do vôo
dos pterossauros. "Além disso, as
conclusões que eles conseguiram
vieram de duas espécies que se alimentavam de peixes. Mas havia
pterossauros que comiam insetos, por exemplo", afirma Kellner.
O biólogo americano diz que a
sofisticação dos répteis, extintos
junto com os dinossauros (grupo
ao qual eles, aliás, não pertenciam) há 65 milhões de anos, é
inegável. "Os pássaros tinham
uma vantagem inicial porque
evoluíram a partir de um grupo
de dinossauros carnívoros [os terópodes] cujo cérebro já era bem
grande. Na verdade, eu me impressiono mais com o que os pterossauros conseguiram."
Próximo Texto: Panorâmica - Medicina: Gatos também carregam vírus causador da Sars Índice
|