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Grupo decifra antigo computador grego
Pesquisadores mostraram como funciona a máquina de Anticítera, uma calculadora astronômica do século 2º a.C.
Tomografia com raios X permitiu a reconstrução virtual do mecanismo; peça
remonta aos escritos do astrônomo grego Hiparco
RAFAEL GARCIA
DA REPORTAGEM LOCAL
Um grupo de cientistas conseguiu decifrar um enigma que
derrotou arqueólogos durante
todo o século 20. Em estudo
publicado hoje, eles revelam
como funciona a máquina de
Anticítera, um computador astronômico grego do século 2º
a.C. movido a engrenagens.
Usando tomografia de raios X
para observar a peça, extremamente deteriorada, os pesquisadores desvendaram uma tecnologia avançada para a época,
que só encontraria sofisticação
igual um milênio depois.
"Um dos mostradores na
parte de trás da máquina serve
para prever eclipses e é baseado
em um ciclo antigo conhecido
como ciclo de Saros", explicou à
Folha o pesquisador Tony
Freeth, da Universidade de
Cardiff, Reino Unido. "É um ciclo de 223 meses lunares, que
por volta do século 5 a.C se difundiu entre os astrônomos babilônicos e, provavelmente,
gregos."
E o nível de sofisticação do
aparelho vai além. O mostrador
frontal da máquina contava
anos solares e meses lunares, e
um terceiro mostrador, atrás,
era uma tentativa de prever a
oscilação de velocidade da órbita lunar. (A Lua tem uma órbita elíptica e se move mais rápido quando está mais próxima
da Terra.) "Os gregos não sabiam disso na época, mas eles
sabiam que o movimento não
era uniforme", diz Freeth. "O
que essas engrenagens fazem é
modelar uma teoria particular
sobre essa variação, criada pelo
famoso astrônomo Hiparco."
A máquina agora desvendada
foi achada em 1900 por um catador de esponjas, num navio
naufragado na ilha grega de
Anticítera. Arqueólogos acreditam de fato que a embarcação tenha partido da ilha de
Rodes, onde vivia Hiparco.
"Não podemos estabelecer
ligação direta entre ele e a máquina de Anticítera, mas é tentador pensar que o próprio Hiparco possa ter ajudado a fazê-la", diz Freeth. "Só que ele
morreu em 126 a.C., uma das
datas mais antigas possíveis
para a máquina. Ela deve ter sido feita depois de sua morte."
Segundo Freeth e seus colegas, que descrevem o mecanismo hoje em artigo na revista
"Nature", a máquina de Anticítera força uma revisão da história da tecnologia na Antigüidade. "Essa máquina é uma sobrevivente isolada daquilo que
deve ter sido uma longa tradição em fazer esses mecanismos", diz. "Ninguém poderia
fazer algo sofisticado assim na
primeira tentativa de produzir
uma calculadora mecânica."
Existem referências na historiografia romana a um mecanismo desse tipo feito por Arquimedes, em Siracusa, e a outro que teria sido importado da
Macedônia, mas nenhum sobreviveu ao tempo. Freeth, porém, não acredita que esses relatos tenham algo a ver com a
máquina de Anticítera.
O X da questão
Para elaborar uma reconstituição confiável dos mecanismos internos, os pesquisadores
da universidades de Cardiff,
Atenas e Salônica tiveram de
recompor um conjunto de peças que estavam em estado lamentável de conservação. Com
suas peças de madeira e bronze
parcialmente corroídas pelo
mar, a máquina estava picotada
em mais de 80 pedaços.
Usando tomografia tridimensional de raios X e imagens
de superfície de alta resolução,
foi possível obter modelos muito melhores do formato das engrenagens e de inscrições que
haviam se apagado.
Mas toda essa tecnologia não
dispensou um bocado de trabalho de raciocínio. As 29 engrenagens identificadas pelos
cientistas não estavam encaixadas, e montar o quebra-cabeças exigiu grande esforço coletivo. Os pesquisadores tiveram
ainda de postular a existência
de uma engrenagem extra. "Fizemos isso para fazer o modelo
funcionar, pois sabemos que
parte dele se perdeu ao ficar
2.000 anos no mar", diz Freeth.
Algumas inscrições nos mostradores, aliás, indicam que o
mecanismo poderia ajudar a
prever também as posições dos
planetas conhecidos, "mas isso
é especulação", afirma.
O fato de parte do modelo ter
se perdido abre espaço para interpretações alternativas à do
grupo de Freeth. "Como a evidência material é fragmentada,
propor alguns chutes é inevitável", escreveu o arqueoastrônomo François Charette em comentário na "Nature". "Mas esse novo modelo é altamente sedutor e convincente em todos
os detalhes."
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