São Paulo, domingo, 30 de dezembro de 2001

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Físico e matemático britânico radicado nos EUA volta a investir em futurologia e refaz previsões para destacar energia solar, engenharia genética e internet

O futuro solar de Dyson

Salvador Nogueira
da Reportagem Local

Se há algum físico que não tem medo de dizer o que pensa, sobre qualquer assunto, é Freeman Dyson. Como ele, muitos gostam de divagar sobre o futuro da humanidade, mas poucos o fazem de forma tão pessoal. Michio Kaku, por exemplo, se aventurou recentemente na árdua futurologia, com "Visões do Futuro", mas revestiu suas conclusões com depoimentos dos maiores expoentes da ciência atual, dando uma aparente sensação de imparcialidade.
Dyson é diferente. O texto é dele e de mais ninguém. Ponto. Esse é o tom de "O Sol, o Genoma e a Internet", o mais novo livro do físico e matemático britânico que trabalha no Instituto para Estudo Avançado, em Princeton, EUA.
Antes de revisitar o futuro humano, Dyson discute um pouco o que o está moldando. Entra num debate próprio dos filósofos da ciência: o que molda o progresso, a ideologia teórica predominante ou as ferramentas? "As ferramentas", crava o físico, com o historiador Peter Galison e contra os chamados "kuhnianos", com os quais, segundo Dyson, nem o próprio Thomas Kuhn concorda.
O físico reflete sobre a evolução das ferramentas e diz que a ascendente genômica ainda tem muito a aprender com os astrônomos -o que, à primeira vista, parece contra-senso. Para Dyson, é uma questão conceitual: os astrônomos historicamente aprenderam a criar suas ferramentas, enquanto os biólogos esperam que alguém as invente para eles.
Apesar do atraso do livro (finalizado em 1999 com base em palestras de 1997) com relação à evolução da genômica, que explodiu nos últimos dois anos, ainda assim ele traz certa dose de verdade. Enquanto os astrônomos aprenderam a trabalhar com poucos recursos, os biólogos da genômica foram mimados com verbas abundantes para tocar, por exemplo, o gigante Projeto Genoma Humano.
Isso pode não cair bem a longo prazo, diz Dyson. Ele exemplifica com o projeto Apolo, que levou o homem à Lua, mas custou cifras exorbitantes -o que deixou o programa espacial sem pai nem mãe, assim que os recursos bilionários foram cortados.
Após várias digressões, o cientista admite que não foi muito acurado em previsões anteriores, e que esse novo livro serve como revisão para o que havia escrito em "Infinito em Todas as Direções", com base em palestras de 1985. "Ele incluía minha lista das três mais importantes tecnologias para o século vindouro: engenharia genética, inteligência artificial e viagens espaciais."
Agora, já no novo século, apenas a engenharia genética sobreviveu às expectativas de Dyson. "No curto prazo, as viagens espaciais são uma piada. Observamos os desnorteados cosmonautas lutando para sobreviver na estação espacial Mir. Obviamente, eles não estão indo para lugar nenhum, exceto, se tiverem sorte, para baixo." A profecia até que se realizou: a Mir foi destruída em 2001. "A inteligência artificial também vai mal. Os robôs não são sensivelmente mais inteligentes hoje do que eram há 14 anos."
Para substituir esses dois campos por ora fracassados, Dyson elegeu dois outros: a internet e a energia solar. Claro, como bom futurologista que é, o cientista não hesita em levar cada uma dessas revoluções tecnológicas às últimas consequências.
Ele não chega a reavivar a esfera Dyson (idéia que teve nos anos 60, segundo o qual civilizações avançadas extrairiam a energia de suas estrelas construindo uma enorme esfera que as envolvesse), mas sugere um cruzamento de engenharia genética com produção de energia para criar plantas capazes de converter luz solar em combustível. A internet ele sugere como um meio de promover justiça social, levando informação e comunicação aos cantos mais remotos da aldeia global. Tudo isso, para os próximos 50 anos.
Para falar de um futuro mais distante, Dyson fica até mais confortável. Propõe que a engenharia genética fornecerá os meios para criar verdadeiros sistemas biológicos capazes de criar ambientes favoráveis à vida humana em planetas como Marte. Vai além e sugere que o uso continuado da engenharia genética acabará criando uma divisão entre humanos "normais" e "engenheirados", bem ao estilo do filme "Gattaca". Em última análise, acabaríamos com uma especiação do homem.
O que torna a obra tão atraente é justamente a coragem de Dyson de pensar o impensável. Ele não está muito preocupado em acertar. "Errei antes quando fiz previsões, mas é melhor errar do que ser vago", escreve. "Meu propósito não é fazer diagnósticos precisos. O propósito da construção de modelos no domínio do futuro não é prever, mas apenas desenhar um esboço grosseiro do território no qual podemos estar entrando."
Sem dúvida, tomando por base essa meta, Dyson cumpre a tarefa com louvor, em um texto leve e interessante, que mistura exemplos passados curiosos, ilustrativos e inspiradores. Não se poderia esperar menos desse que é um dos mais influentes futurólogos contemporâneos. E, se uma ou duas de suas idéias se mostrarem reais no futuro, Freeman Dyson poderá ser lembrado amanhã com tanta apreciação quanto Júlio Verne e H.G. Wells (que ele mesmo menciona como futurólogos de sucesso relativamente pequeno).



O Sol, o Genoma e a Internet de Freeman Dyson
140 págs. R$ 22,50
Companhia das Letras (www.companhiadasletras.com.br)



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