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Físico e matemático britânico radicado nos EUA volta a investir em futurologia e refaz previsões para destacar energia solar, engenharia genética e internet
O futuro solar de Dyson
Salvador Nogueira
da Reportagem Local
Se há algum físico que não tem medo
de dizer o que pensa, sobre qualquer
assunto, é Freeman Dyson. Como ele,
muitos gostam de divagar sobre o futuro
da humanidade, mas poucos o fazem de
forma tão pessoal. Michio Kaku, por
exemplo, se aventurou recentemente na
árdua futurologia, com "Visões do Futuro", mas revestiu suas conclusões com
depoimentos dos maiores expoentes da
ciência atual, dando uma aparente sensação de imparcialidade.
Dyson é diferente. O texto é dele e de
mais ninguém. Ponto. Esse é o tom de "O
Sol, o Genoma e a Internet", o mais novo
livro do físico e matemático britânico
que trabalha no Instituto para Estudo
Avançado, em Princeton, EUA.
Antes de revisitar o futuro humano,
Dyson discute um pouco o que o está
moldando. Entra num debate próprio
dos filósofos da ciência: o que molda o
progresso, a ideologia teórica predominante ou as ferramentas? "As ferramentas", crava o físico, com o historiador Peter Galison e contra os chamados "kuhnianos", com os quais, segundo Dyson,
nem o próprio Thomas Kuhn concorda.
O físico reflete sobre a evolução das ferramentas e diz que a ascendente genômica ainda tem muito a aprender com os
astrônomos -o que, à primeira vista,
parece contra-senso. Para Dyson, é uma
questão conceitual: os astrônomos historicamente aprenderam a criar suas ferramentas, enquanto os biólogos esperam
que alguém as invente para eles.
Apesar do atraso do livro (finalizado
em 1999 com base em palestras de 1997)
com relação à evolução da genômica,
que explodiu nos últimos dois anos, ainda assim ele traz certa dose de verdade.
Enquanto os astrônomos aprenderam a
trabalhar com poucos recursos, os biólogos da genômica foram mimados com
verbas abundantes para tocar, por exemplo, o gigante Projeto Genoma Humano.
Isso pode não cair bem a longo prazo,
diz Dyson. Ele exemplifica com o projeto
Apolo, que levou o homem à Lua, mas
custou cifras exorbitantes -o que deixou o programa espacial sem pai nem
mãe, assim que os recursos bilionários
foram cortados.
Após várias digressões, o cientista admite que não foi muito acurado em previsões anteriores, e que esse novo livro
serve como revisão para o que havia escrito em "Infinito em Todas as Direções", com base em palestras de 1985.
"Ele incluía minha lista das três mais importantes tecnologias para o século vindouro: engenharia genética, inteligência
artificial e viagens espaciais."
Agora, já no novo século, apenas a engenharia genética sobreviveu às expectativas de Dyson. "No curto prazo, as viagens espaciais são uma piada. Observamos os desnorteados cosmonautas lutando para sobreviver na estação espacial Mir. Obviamente, eles não estão indo
para lugar nenhum, exceto, se tiverem
sorte, para baixo." A profecia até que se
realizou: a Mir foi destruída em 2001. "A
inteligência artificial também vai mal. Os
robôs não são sensivelmente mais inteligentes hoje do que eram há 14 anos."
Para substituir esses dois campos por
ora fracassados, Dyson elegeu dois outros: a internet e a energia
solar. Claro, como bom
futurologista que é, o
cientista não hesita em levar cada uma dessas revoluções tecnológicas às últimas consequências.
Ele não chega a reavivar
a esfera Dyson (idéia que
teve nos anos 60, segundo o qual civilizações avançadas extrairiam a energia de
suas estrelas construindo uma enorme
esfera que as envolvesse), mas sugere um
cruzamento de engenharia genética com
produção de energia para criar plantas
capazes de converter luz solar em combustível. A internet ele sugere como um
meio de promover justiça social, levando
informação e comunicação aos cantos
mais remotos da aldeia global. Tudo isso,
para os próximos 50 anos.
Para falar de um futuro mais distante,
Dyson fica até mais confortável. Propõe
que a engenharia genética fornecerá os
meios para criar verdadeiros sistemas
biológicos capazes de criar ambientes favoráveis à vida humana em planetas como Marte. Vai além e sugere que o uso
continuado da engenharia genética acabará criando uma divisão entre humanos "normais" e "engenheirados", bem
ao estilo do filme "Gattaca". Em última
análise, acabaríamos com uma especiação do homem.
O que torna a obra tão atraente é justamente a coragem de Dyson de pensar o
impensável. Ele não está muito preocupado em acertar. "Errei antes quando fiz
previsões, mas é melhor errar do que ser
vago", escreve. "Meu propósito não é fazer diagnósticos precisos. O propósito da
construção de modelos no domínio do
futuro não é prever, mas apenas desenhar um esboço grosseiro do território
no qual podemos estar entrando."
Sem dúvida, tomando por base essa
meta, Dyson cumpre a tarefa com louvor, em um texto leve e interessante, que
mistura exemplos passados curiosos,
ilustrativos e inspiradores. Não se poderia esperar menos desse que é um dos
mais influentes futurólogos contemporâneos. E, se uma ou duas de suas idéias
se mostrarem reais no futuro, Freeman Dyson poderá ser lembrado amanhã com tanta apreciação
quanto Júlio Verne e H.G.
Wells (que ele mesmo
menciona como futurólogos de sucesso relativamente pequeno).
O Sol, o Genoma e a Internet de Freeman Dyson
140 págs. R$ 22,50
Companhia das Letras
(www.companhiadasletras.com.br)
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