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PALEONTOLOGIA
Pesquisador do Rio de Janeiro analisa dejetos fossilizados para entender os hábitos desses animais extintos
Fezes explicam comportamento de dinos
REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA
A imagem clássica do caçador
de dinossauros é a daquele sujeito
com ar de Indiana Jones, às voltas
com um crânio gigantesco e imaculado de tiranossauro. O trabalho de um pesquisador carioca revela, contudo, que é possível descobrir coisas inusitadas sobre esses grandes répteis mirando um
alvo bem mais, digamos, modesto: as fezes dos bichos.
Numa tese de doutorado que
deve ser apresentada no Instituto
de Geociências da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro)
no próximo dia 10, o pesquisador
Paulo Roberto de Figueiredo Souto analisou nada menos que 200
amostras de fezes do Período Cretáceo (o último da era dos dinossauros, de 144 milhões a 65 milhões de anos atrás).
Os dejetos fossilizados vieram
de algumas das principais jazidas
de fósseis do país: a bacia do Araripe (na divisa entre Ceará, Piauí e
Pernambuco), a bacia São Luís
(no Maranhão) e a bacia Bauru
(em São Paulo e Minas Gerais). A
idade dos restos vai de 110 milhões a 85 milhões de anos.
Essa respeitável coleção de coprólitos (em grego, algo como "fezes petrificadas"), produzida por
crocodilos, tartarugas, peixes e dinossauros, pode trazer informações sobre os hábitos alimentares,
os parasitas e até o comportamento das espécies extintas.
É sobre o último tópico, aliás,
que o trabalho traz uma revelação
tétrica: de acordo com Souto, os
crocodilos pré-históricos da bacia
Bauru comiam os filhotes da própria espécie.
"Nós achamos restos de dente e
osso de um recém-nascido num
dos coprólitos", conta Souto.
"Aparentemente, quem cuidava
dos diferentes ninhos competia
entre si comendo os filhotes do
outro -um comportamento que
existe ainda hoje entre crocodilos", afirma o pesquisador.
Outro achado não tão trágico
foi uma "fotografia" fóssil do momento em que os excrementos
dos peixes do Araripe começavam a ser reaproveitados por ostrácodes, um tipo microscópico
de crustáceo. De acordo com Souto, é a primeira vez que os bichinhos são flagrados alimentando-se de fezes no registro fóssil.
Não que eles estivessem sem
companhia: nematóides (vermes
cilíndricos) também foram achados nas fezes -talvez vindos do
intestino dos peixes que parasitavam ou só pegando carona nos
nutrientes dos dejetos.
Os pequenos indícios presentes
nos coprólitos também podem
ajudar a entender que tipo de ambiente era habitado pelos produtores das fezes.
No caso do Araripe, a presença
de radiolários (micróbios aquáticos que possuem uma carapaça
de sílica) pôs fim a um debate antigo: a região era mesmo marinha,
já que os radiolários só aparecem
nesse tipo de ambiente.
E na bacia São Luís, embora
houvesse uma profusão de dinossauros, os carnívoros desse grupo
estavam mesmo interessados era
numa dieta de sushi: as fezes de
espinossaurídeos (parentes distantes do tiranossauro, com cerca
de 15 metros, focinho comprido e,
em alguns casos, uma protuberância óssea nas costas) estão
cheias de escamas de peixe.
Banheiro da família
Na bacia Bauru, em Minas Gerais, uma inusitada mistura de
cascas de ovos e fezes indica que
os titanossauros, grandes herbívoros de pescoço longo que a produziram, se reproduziam sazonalmente no mesmo lugar, como
fazem até hoje as tartarugas marinhas. "É uma evidência forte de
que eles tinham áreas específicas
de nidificação [formação periódica de ninhos"", diz Souto.
De certa forma, a análise óptica
e química dos dejetos foi a parte
mais fácil do trabalho do pesquisador. Difícil mesmo foi comparar os achados com fezes frescas
de animais modernos, entre eles
jacarés, onças, elefantes e avestruzes. Foi preciso paciência para esperar que o metabolismo lento
dos jacarés liberasse as fezes.
Mas o esforço valeu a pena: a
comparação com bichos de hoje
ajudou Souto a caracterizar de
forma bastante precisa cada tipo
de dejeto, dos cilíndricos (típicos
dos carnívoros) aos ovóides (produzidos pelos herbívoros).
O nível de detalhamento permitiu até identificar as marcas do esfíncter (o músculo em forma de
anel que controla o fechamento
do ânus) de cada animal. Com os
padrões desenvolvidos pelo pesquisador, vai ser possível identificar de forma muito mais rápida e
precisa o bicho que produziu determinado tipo de coprólito.
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