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São Paulo, domingo, 31 de agosto de 2003

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Ciência em Dia

Nuvens sobre o programa espacial

Marcelo Leite
editor de Ciência

Logo após o assassinato do diplomata Sérgio Vieira de Mello em Bagdá, a semana passada foi marcada pelo desaparecimento de outros 21 brasileiros na base de Alcântara, Maranhão.
Todos os 22 morreram em serviço. Vieira de Mello, a serviço da reconstrução de um país ainda conflagrado que só tem a perder com sua ausência. Os 21 de Alcântara, a serviço de um programa espacial num país pobre como o Brasil, que teria mais a ganhar com sua interrupção.
Esta avaliação não decorre de uma condenação por princípio do programa, mas de uma ponderação realista das circunstâncias em que ele poderia prosseguir, com as investigações concluídas.
Por falar nisso, é difícil entender por que o inquérito para apurar as causas desse terceiro acidente em três tentativas com o Veículo Lançador de Satélites (VLS-1) é conduzido pelas mesmas instituições que deveriam ser investigadas, o Centro Técnico Aeroespacial (CTA) e a Agência Espacial Brasileira (AEB).
Nos EUA, a Nasa foi investigada por comissão presidida por um almirante que nada tinha a ver com a agência espacial e condenada como responsável pelo acidente que vitimou os sete astronautas do ônibus espacial Columbia em fevereiro. A explosão do Challenger, 17 anos antes, tivera entre os investigadores Richard Feynman, Nobel de Física (1965).
De volta às circunstâncias: há que considerar a perda de especialistas talvez insubstituíveis. Algumas das vítimas do terceiro protótipo do VLS-1 tinham mais de uma década de trabalho para o CTA. Esse tipo de especialidade (propulsão e instrumentação de foguetes) não constitui um mercado de trabalho no qual se possam recrutar facilmente substitutos.
Isso para não falar, é claro, dos atrasos crônicos de que padece o programa há anos, como resultado das verbas sempre escassas. O ministro da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral, precipitou-se ao tentar lançar a conta do acidente entre os débitos de Fernando Henrique Cardoso (que são muitos, aliás), pois, se o dinheiro curto tiver comprometido a segurança, mais curto ainda terá se revelado o juízo de quem autorizou o prosseguimento da operação toda.
Por fim, há a esquizofrenia perene do programa espacial, que é ao mesmo tempo civil (satélites) e militar (foguetes lançadores). A maldisfarçada preponderância da Aeronáutica sobre a AEB, raiz de muita desconfiança no plano internacional, ficou patente na forma como as informações foram racionadas até meados da semana. Foram necessários três dias para obter currículos e fotos de todos os mortos e a biografia do coronel que presidirá a comissão, cuja composição completa não havia sido oficialmente divulgada cinco dias após o incêndio.
Nada disso -falta de dinheiro e de especialistas, ou controle militar sobre o programa espacial- parece fadado a mudar. Se pedir sua interrupção e sua reavaliação for demasiado, o mínimo a exigir é independência e profundidade na investigação -a real homenagem que se deve prestar a estas pessoas: Amintas Rocha Brito, Antonio Sérgio Cezarini, Carlos Alberto Pedrini, César Augusto Costalonga Varejão, Daniel Faria Gonçalves, Eliseu Reinaldo Moraes Vieira, Gil César Baptista Marques, Gines Ananias Garcia, Jonas Barbosa Filho, José Aparecido Pinheiro, José Eduardo de Almeida, José Eduardo Pereira, José Pedro Claro Peres da Silva, Luís Primon de Araújo, Mário César de Freitas Levy, Massanobu Shimabukuro, Maurício Biella de Souza Valle, Roberto Tadashi Seguchi, Rodolfo Donizetti de Oliveira, Sidney Aparecido de Moraes, Walter Pereira Júnior.

E-mail: cienciaemdia@uol.com.br


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