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Mamíferos pré-históricos vão ao dentista
Prisma no esmalte de bichos com 60 milhões de anos mostra como grupo assumiu o papel de herbívoro
REINALDO JOSÉ LOPES
DA REPORTAGEM LOCAL
Nunca é tarde para ir ao dentista pela primeira vez. Que o
digam os mamíferos de 60 milhões de anos da bacia de Itaboraí (RJ), cujo esmalte passou
por um check-up completo nas
mãos de um dentista e de uma
paleontóloga. O diagnóstico: os
bichos criaram um sistema eficiente para comer plantas, permitindo que eles começassem a
ocupar o papel de grandes herbívoros, vago por causa da extinção dos dinossauros.
O exame dentário pós-fossilização foi conduzido pelo dentista Sérgio Peres Line, pesquisador da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), e
pela paleontóloga Lílian Paglarelli Bergqvist, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Para Line, trabalhar
com "pacientes" tão antigos
não foi exatamente novidade.
"Eu já tinha alguns trabalhos
sobre o esmalte de dinossauros.
Como a Lílian tem acesso ao
material de Itaboraí, achei que
seria uma oportunidade única
para estudar um material tão
importante", afirma.
Brasileiros importantes
A empolgação não é à toa. A
fauna de Itaboraí é um retrato
raro de como eram os mamíferos (relativamente) pouco tempo depois do fim da Era dos Dinossauros, que terminou há 66
milhões de anos. Fora os tatus
(reconhecidos por pedaços do
seu casco) e marsupiais parecidos com os atuais gambás, os
mamíferos da época parecem
quase alienígenas. O maior deles, o Carodnia vieirai, tinha o
tamanho de uma anta e estranhas presas na boca.
Sem os dinos pela frente, os
mamíferos tinham uma exuberante vegetação para explorar.
Mas, a princípio, seus dentes
não estavam aparelhados para
a tarefa. Line e Bergqvist usaram um feixe de luz que evidenciava a estrutura do esmalte dos animais para elucidar o
mistério. "É uma metodologia
que permite a análise sem danificar os fósseis", explica Line.
A explicação, descobriram
eles, está em pequenos prismas
do esmalte, que juntos formam
as chamadas bandas de Hunter-Schreger (HSB, na sigla inglesa). Elas lembram nervuras
e ajudam a dar resistência ao
dente. Acontece que, nas três
espécies de Itaboraí que alcançaram tamanho considerável
(entre elas o C. vieirai), elas se
dispõem na vertical. "Isso torna o esmalte mais resistente à
abrasão, aumentando a vida
funcional dele", explica Line.
Para alcançar grandes tamanhos, esses bichos precisavam
crescer mais devagar e ter dentes que agüentassem anos e
anos mastigando planta. Foi
graças a essa adaptação -que
está presente nos rinocerontes
modernos- que eles puderam
virar grandes herbívoros.
O trabalho foi publicado na
revista científica "Journal of
Vertebrate Paleontology".
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