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São Paulo, sexta-feira, 31 de outubro de 2003

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TRANSPLANTES

Experimento americano foi feito com camundongos e macacos; testes devem levar pelo menos mais 5 anos

Droga combate rejeição sem efeito tóxico

SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma nova droga desenvolvida nos Estados Unidos pode melhorar muito o tratamento pós-operatório para evitar rejeição depois de um transplante de órgão -isso se ela realmente funcionar.
A julgar pelos experimentos feitos com animais, a coisa é boa. A substância foi capaz de desativar de forma bastante específica a parte do sistema imunológico responsável pela rejeição, sem prejudicar demais outros aspectos da saúde do indivíduo.
A chave para o sucesso de um transplante é fazer com que o organismo não reconheça o novo órgão como um alienígena -a despeito do fato de ele ser exatamente isso. Os vários tipos de célula combatente do sistema imunológico são responsáveis por reconhecer algo dentro do corpo como natural ou invasor. Há células que atacam bactérias e vírus estranhos, e outras que se concentram nos órgãos transplantados.

Boa mira
A substância desenvolvida agora por um grupo da Universidade Stanford e da companhia farmacêutica Pfizer atua inibindo um receptor chamado JAK3, que existe num certo tipo de célula de defesa mais ligado à rejeição de órgãos, mas menos ativo nas respostas a patógenos comuns.
Em outras palavras, a pesquisa mira no alvo certo. Apesar disso, nada garante o sucesso. Houve outros compostos que mostraram excelente reação ao JAK3 em culturas de células, mas não tiveram o mesmo resultado promissor quando testados em animais. Para mostrar que desta vez seria diferente, os pesquisadores precisavam experimentar in vivo.
Foi o que eles fizeram, com camundongos e macacos cinomolgos. Os primeiros foram submetidos a transplantes de coração, e os segundos, de rim. A droga, designada pela sigla CP-690,550, reagiu bem nos dois casos, evitando a rejeição, mas sem os efeitos colaterais tóxicos típicos das drogas mais comuns usadas atualmente.
Com macacos, foram 16 os animais submetidos ao experimento. Quatro deles sofreram o transplante e não tomaram imunossupressores. A rejeição veio em cerca de seis dias, em média.
Para os que tomaram CP-690,550, com uma dose baixa, o valor subiu para 62 dias. Com dose alta, 83 dias. A droga mais popular em uso hoje, o ciclosporina-A, resulta em rejeição em média após 39 dias, seguindo a mesma metodologia.
"Podemos dizer que ela vai tão bem quanto, ou até melhor que todas as drogas imunossupressoras que temos em uso hoje", disse Dominic Borie, da Universidade Stanford, um dos autores do estudo, em nota à imprensa.
A pesquisa original está publicada na edição de hoje da revista norte-americana "Science" (www.sciencemag.org).

Conclusões prematuras
Apesar disso, os médicos ainda aconselham cautela. "Isso ainda não foi testado em humanos", afirma José Osmar Medina Pestana, médico da Universidade Federal de São Paulo e presidente da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. "É superprematuro dizer que isso será uma solução viável. Por enquanto, é apenas uma perspectiva."
Segundo o médico brasileiro, os estudos com macacos são de pequeno alcance, pelo número limitado de animais. "No máximo 10 ou 20, o que dificulta a observação de efeitos menores. Se há algo que se manifesta em 2% ou 3% dos casos, você não vai ver aqui."
Ele aponta que uma longa bateria de estudos em humanos será exigida antes que a droga possa atingir um estágio comercial. "No mínimo cinco anos, para que tudo isso possa ser feito", avalia.


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