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POLÍCIA
Bióloga do Tocantins foi detida sob acusação de tráfico de mulheres ao viajar a convite de uma instituição americana
Pesquisadora brasileira é expulsa dos EUA
CLAUDIO ANGELO
EDITOR-ASSISTENTE DE CIÊNCIA
Uma cientista brasileira que havia viajado aos Estados Unidos a
convite de uma instituição de pesquisa americana foi detida por 12
horas no aeroporto de Nova York
e mandada de volta para o Brasil
no último dia 16, sob acusação de
tráfico de mulheres. A suposta vítima, que também foi expulsa do
país, nega a acusação.
O caso está provocando revolta
na comunidade científica brasileira e pode prejudicar projetos de
cooperação entre Brasil e Estados
Unidos, como o LBA (Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia),
que depende de viagens de pesquisadores norte-americanos ao
Brasil e vice-versa.
A bióloga Vera Lúcia Reis, 49,
consultora ambiental no Tocantins, havia acabado de concluir o
doutorado na USP de São Carlos.
Ela recebeu um convite do
WHRC (Woods Hole Research
Center), instituição de pesquisa
no Estado de Massachusetts, para
passar alguns dias nos EUA e
transformar sua tese -sobre os
impactos ambientais da usina hidrelétrica de Lajeado, no Tocantins- em uma série de artigos.
Ao desembarcar em Nova York,
na manhã do dia 16, foi detida por
agentes do INS (Serviço de Naturalização e Imigração, na sigla em
inglês) e levada a interrogatório.
Segundo os agentes, ela teria recebido dinheiro para levar aos EUA
uma jovem de Goiânia, Halana
Cristina Martins Pereira.
Em depoimento dado à Polícia
Federal e lavrado em cartório, Pereira negou que conhecesse a
cientista. A jovem, que havia ido
aos EUA em busca de emprego,
disse ter sido "tratada de maneira
humilhante, com agressão verbal
e psicológica", algemada e pressionada a confessar que tinha relações prévias com Reis.
"Acho que tenho um biotipo
que me condena: sou mulata e tenho cabelo armado. Deviam estar
procurando alguém com o meu
perfil, aí me acharam."
O cônsul-geral dos EUA em
Brasília, Peter Kaestner, pediu
desculpas em nome do governo
do país ao orientador de Reis no
WHRC (e seu namorado), Foster
Brown. Procurada pela Folha, a
embaixada americana em Brasília
afirmou que ainda está investigando o caso.
Sem telefonemas
Segundo Vera Reis, ela e Pereira
tinham se conhecido no aeroporto do Rio de Janeiro, na hora do
embarque, e conversavam na fila
da imigração quando foram chamadas a guichês diferentes. Depois, a bióloga foi levada a uma
sala e submetida a interrogatório.
"Disseram que eu estava [sendo] acusada de tráfico de mulheres e que tinham evidências suficientes para me prender. Disseram que haviam sido informados
pela Polícia Federal brasileira de
que eu já tinha levado duas pessoas para lá antes", afirmou.
Ela afirma ter sido tratada de
forma arbitrária pelos agentes do
INS, que lhe negaram telefonemas para o WHRC ou para o Brasil e se recusaram a ver a carta do
instituto convidando-a para a visita. "Eles gritavam comigo e
riam", disse Reis à Folha. Também teriam ameaçado mandá-la
para uma prisão, no Estado da
Pensilvânia, onde ficaria seis meses aguardando julgamento.
Segundo Brown, o serviço de
imigração também ignorou ligações dele e da direção do instituto.
"Ninguém se preocupa com o fato
de ela ter sido parada e questionada. O problema é a falta de profissionalismo e o desrespeito a direitos humanos básicos", disse o
pesquisador americano.
A bióloga afirma que tentou explicar que estava indo fazer pesquisa para o doutorado. Em vão.
"Perguntavam como é que eu podia ser doutora sendo traficante."
Acordo
Ao final do interrogatório, segundo Reis, depois de terem sido
contatados por Brown e pelo consulado brasileiro em Nova York,
os agentes de imigração propuseram um acordo: ela poderia assinar uma declaração para voltar
voluntariamente ao Brasil ou ser
algemada, deportada e entregue à
Polícia Federal.
"Depois de 12 horas de pressão
eu assinei. Não me deixaram ler
[o documento". Disseram que
meu visto não seria cancelado,
mas ele foi", contou.
"Também mentiram quando
disseram [à Polícia Federal brasileira] que a menina tinha me acusado frente a frente. Pedi para ser
posta frente a frente com ela e eles
negaram", disse a bióloga. De volta ao Brasil, Reis apresentou queixa à PF e ao departamento de Justiça dos Estados Unidos.
Reciprocidade
O coordenador do LBA, Carlos
Nobre, que conhece Reis e Brown,
se disse ofendido com o caso.
"Como membro da comunidade
científica, me senti atacado. Há o
problema da reciprocidade: o
Brasil já concedeu mais de 200
vistos para americanos fazerem
pesquisa de campo aqui."
Em carta ao cônsul-geral dos
EUA, Nobre se disse preocupado
com o fato de o incidente poder
representar "uma tendência mais
geral, ainda que recente", nos Estados Unidos. "Eu estou realmente preocupado com o futuro da
nossa cooperação científica bilateral se essa tendência permanecer sem correção."
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