São Paulo, sábado, 31 de dezembro de 2005

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FÍSICA

Bebiba borbulha de pelo menos quatro formas distintas graças a impurezas na taça, afirma grupo franco-brasileiro

Pesquisa desvenda bolhas do champanhe

DA REPORTAGEM LOCAL

De acordo com um grupo de físicos brasileiros e franceses, uma regularidade quase matemática se esconde por trás das borbulhas que brotam das taças de champanhe. Eles descobriram que a bebida produz bolhas de pelo menos quatro maneiras diferentes, graças à ação de impurezas microscópicas nos recipientes.
Não é preciso quebrar muito a cabeça para entender por que os pesquisadores decidiram estudar o tema. O líder do lado francês da pesquisa, por exemplo, é Gérard Liger-Belair, da Universidade de Reims, na Champanhe -justamente a região da França onde a bebida foi "inventada" acidentalmente no século 17. Ali existe, claro, muito interesse comercial em desvendar as propriedades dos espumantes. Já Alberto Tufaile, do Instituto de Física da USP, um dos responsáveis pela parte brasileira do trabalho, estuda bolhas e tem interesse especial nos chamados sistemas caóticos.

Caos e ordem
"Um congestionamento, por exemplo -todo mundo diz que ele é caótico, e é mesmo", brinca Tufaile. O sentido do termo na física, no entanto, é diferente. Um sistema caótico é regido por um conjunto de leis internas, mas a dinâmica dele ao longo do tempo é tão complicada que só é possível prever o que acontecerá com o sistema no curto prazo. É o caso do clima, por exemplo.
As bolhas no champanhe, descobriram Tufaile e seus colegas, "não são caóticas, embora tenham um comportamento complexo". Para entender o que controlava a formação de borbulhas, os franceses despejaram a bebida em taças e filmaram o que acontecia, enquanto os brasileiros se encarregaram da análise dos dados.
À primeira vista, não parece haver muito mistério: afinal, qualquer espumante é composto de água, álcool e gás carbônico dissolvido, responsável por formar as bolhas conforme vai escapando para o ar ao redor da taça. Antes, havia a crença de que taças com seu interior riscado e raspado promoviam a formação de mais borbulhas. "Como, além do paladar, o aspecto visual é interessante no champanhe, muita gente riscava a taça", conta Tufaile.
A verdade, descobriram os pesquisadores, é bem mais prosaica. São pequenas impurezas -ou um pouco de sujeira mesmo, para ser mais claro- as responsáveis pela maior parte das bolhas. Tratam-se de fibras de celulose com cercas de 100 micrômetros de comprimento (um micrômetro equivale a um milésimo de milímetro). Elas se agarram ao copo, vindas do ar, e funcionam como uma verdadeira bomba de bolhas.
"Essas fibras são tubulares, têm uma geometria muito definida", diz o físico. Quase como um pequeno apito ou flauta, as fibras são ocas, com uma abertura na frente. O gás carbônico passa por essas câmaras e escapa pela abertura, formando as bolhas. Segundo Tufaile, a técnica do raspamento para intensificar o fenômeno pode até funcionar parcialmente, porque as cicatrizes formadas no recipiente tendem a facilitar a aderência das fibras.
O papel das fibras, porém, vai além do mero estímulo às bolhas. Elas também ajudam a moderar os chamados períodos de borbulhamento -fases em que o borbulhamento segue padrões regulares. Assim que a bebida vai para a taça, por exemplo, a tendência é que as bolhas se formem e subam para o alto de duas em duas; a seguir, o borbulhamento ocorre de forma aparentemente aleatória, com números variáveis; inicia-se nova série, com trios de bolhas subindo; e o espetáculo se encerra com bolhas isoladas, surgindo uma a uma, conforme o champanhe esgota seu suprimento de gás.
O estudo foi divulgado na revista "Pesquisa Fapesp", da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.
(REINALDO JOSÉ LOPES)


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