São Paulo, quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

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Grupo vê nova espécie surgir na Antártida

Equipe do Rio Grande do Sul estuda aves híbridas que, no futuro, poderão estabelecer população única de descendentes

Cientistas brasileiros usam amostras de sangue e dados populacionais para estudar predadora; pesquisa traz pistas sobre desequilíbrio

Eduardo Geraque/Folha Imagem
No alto, uma skua já identificada por pesquisadores alça voo

EDUARDO GERAQUE
ENVIADO ESPECIAL À ANTÁRTIDA

Pedaços de salsicha já estão espalhados por uma pequena área sobre a neve. Para completar a armadilha de skuas -ave predadora da Antártida-, os cientistas circundam as iscas com uma corda.
A extremidade do laço, pronta para ser puxada quando a ave começar a comer o embutido, fica a vários metros de distância. Paciência e rapidez são fundamentais para que o bicho seja capturado por instantes.
Na sequência, o animal é pesado e medido. E, com uma pequena seringa, o geneticista Ricardo José Gunski, argentino que vive em São Gabriel (RS) dando aulas na Universidade Federal do Pampa, retira sangue da ave. Em minutos (nem sempre é fácil achar a veia sob a asa), a skua voa novamente. Curiosas e famintas, muitas vezes as mesmas aves voltam para tentar comer mais um pedaço de salsicha na armadilha.
Apesar do incômodo da coleta de sangue, o trabalho dos pesquisadores do Rio Grande do Sul nos arredores da baía do Almirantado, onde fica a estação brasileira Comandante Ferraz, deve ajudar a entender o que está acontecendo com a comunidade de aves na periferia do continente antártico.

Assim nasce uma espécie
Para começar, o trabalho de Gunski e sua mulher, a também argentina Analía Garnero, revela que os cientistas podem estar diante de um dos pilares da teoria da evolução: a especiação, ou seja, o surgimento de uma nova espécie.
Existem dois tipos de skuas na baía do Almirantado. Uma é a Catharacta lonnbergi. A outra foi batizada de C. maccormicki.
Porém, Gunski está certo de que existe um terceiro grupo. Ele é formado por híbridos das duas espécies. E não é só isso. A hipótese de trabalho do pesquisador é que os casais do terceiro grupo estão produzindo descendentes férteis. O que, no futuro, poderá levar a formação de uma terceira espécie.
As saídas de campos feitas ao redor de Ferraz, diz Gunski, reforçam a sua tese inicial. É para responder a essa importante pergunta, portanto, que o pesquisador precisa capturar as aves e tirar sangue delas.

Donas do pedaço
As skuas são muito territorialistas, voltando todos os anos para se reproduzir no mesmo local. As aves vizinhas, como gaivotões e trinta-réis, é que sofrem -isso porque as skuas vivem mais ou menos dez anos e se alimentam principalmente dos ovos das vizinhas.
Nesta época do ano elas já estão aqui, defendendo sua área. O acúmulo de skuas nas vizinhanças de Ferraz até preocupa os cientistas. Seria algum sinal de desequilíbrio ecológico?
Durante o verão antártico -se é que neste ano, nesta região do globo, haverá degelo completo das encostas das montanhas-, um grupo de seis pesquisadores vai rastrear de quatro a cinco grandes áreas de estudo, para esclarecer a dúvida acima e várias outras.
Sob o vento gelado, em um dia, os cientistas conseguem capturar menos de dez skuas e identificar duas ou três dezenas de ninhos, só alguns com ovos.


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