Índice geral Comida
Comida
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Formiga caipira

Içás são caçadas quando saem em revoada e fritas em banha de porco à semelhança do costume dos índios; restaurante lança prato em São Paulo

LUIZA FECAROTTA
DE SÃO PAULO

Era 1903. Monteiro Lobato contava sobre seu tira-gosto predileto em uma carta, escrita de próprio punho, endereçada a um amigo "de uma vida inteira". Içá torrada.

Essas formigas, fêmeas da saúva, caçadas no verão e torradas em banha de porco, eram o que ele chamava de "caviar do vale do Paraíba".

Herança de um costume indígena, permanece aqui e acolá -no interior de São Paulo, onde marca a cozinha caipira, em Pernambuco, na Amazônia...

Na cidade grande, as içás já surgiram em algumas receitas de Mara Salles, do Tordesilhas, por exemplo. Agora, está em cartaz no Le Manjue Bistrô -são salteadas na frigideira em azeite de alecrim e depois misturadas com farinha de mandioca.

O chef Renato Caleffi as comprou congeladas, em garrafas pet, de caçadores de Silveira, no interior de São Paulo, onde se mantém a tradição de comer formigas. Não só o seu abdômen e tórax -quando as livramos de suas patas, cabeça e ferrão-mas ela inteirinha.

No Amazonas, saúvas são caçadas pelas populações ribeirinhas e incrementam receitas como a sopa de peixe piraíba, temperada com pimenta e tucupi preto -este, passa por lenta redução até escurecer. De tempos em tempos, também aparecem à venda na feira de Caruaru, em Pernambuco.

SAZONAL

Quando começam os primeiros trovões da primavera que anunciam a "chegança do verão", as saúvas saem dos formigueiros em revoada.

Alçam voo para, no ar, se reproduzirem. Os machos, depois de liberarem o ferrão no acasalamento, morrem.

As fêmeas, pelo contrário, são fecundadas, ficam imensas até que não suportam se manter no ar e caem na terra para armar um novo formigueiro e desovar.

É nesse momento que a molecada sai, enlouquecida, para caçar içás, conta Ocílio Ferraz, que lida com o inseto há 40 anos e hoje a serve, sob encomenda, no restaurante que leva seu nome, em Silveira, no interior de São Paulo.

"Quem tem mais habilidade quebra um galho de goiabeira ou de jabuticabeira e derruba as içás no chão. As coloca vivas em sacos, em garrafas ou vasilhas."

Mauricio de Sousa, autor da Turma da Mônica, fazia diferente: ia direto ao formigueiro e pegava as formigas pelas asas protegendo os pés em bacias com água. Mas o final, como relatou certa vez num quadrinho do Chico Bento, era comum: todos se esbaldavam de içás torradas.

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.