São Paulo, quinta-feira, 19 de maio de 2011

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FOGO ALTO A visão de quem cozinha

Eu, tu, eles...

RODRIGO OLIVEIRA


Nossa equipe é a parte mais importante do negócio: é com ela que chegamos aos clientes, o segundo foco


MUITOS COLEGAS têm recentemente compartilhado suas dificuldades com a formação de brigadas estáveis e fiéis. Sem dúvida esse é o principal desafio de qualquer chef de cozinha ou "restaurateur".
Bem, talvez esse seja o grande desafio em qualquer negócio. Engajar pessoas num projeto que lhes consome física e emocionalmente, que lhes priva quase sempre dos horários convecionais de convívio com a família e os amigos, incluindo aí finais de semana e feriados, é uma tarefa árdua. E incessante.
Por isso é absolutamente necessário dar uma recompensa a altura a esses profissionais que vão diariamente às trincheiras conosco.
Conto aqui o que fazemos no Mocotó e que nos ajuda a manter uma equipe comprometida e orgulhosa do trabalho. Certo de que a realidade da nossa casa é peculiar, escrevo sem intenção de ser professoral.
Não há muito tempo éramos apenas eu e mais três, que abríamos a casa, cozinhávamos, servíamos e limpávamos tudo no final.
Hoje somos 50 entre cozinha, salão e administrativo. Nesse processo de crescimento erramos bastante, sofremos e perdemos algumas pessoas valiosas, mas muitas lições ficaram. Acredito que há novas maneiras de conduzir um restaurante e se relacionar com as pessoas que trabalham nele.
Nosso pessoal é a parte mais importante do negócio. Afinal, é por meio deles que chegamos aos clientes, que são o segundo foco. Entendemos também que se não houver hospitalidade entre nós, jamais conseguiremos levá-la adiante.
Não chamamos as pessoas que trabalham no Mocotó de funcionários, não pelo politicamente correto, mas por puro bom senso. Não queremos ninguém aqui para simplesmente cumprir sua função.
Queremos pessoas que lutem pela causa, simples assim. Não causará estranheza um cozinheiro dar uma mãozinha a um dos meninos da pia num momento de apuro, assim como nenhum desses se furtará a ir ao estoque, duas escadarias abaixo, apanhar o produto de que um dos cozinheiros precisa naquele momento. O mesmo acontece no salão, o mesmo no escritório.
Esses colegas que se queixam da dificuldade de encontrar bons profissionais frisam que é nos cargos de base que a situação se complica. Já ouvi algumas vezes: "Ah, eles parecem não querer nada!" Na verdade, eles querem o mesmo que nós. Não é tarefa das mais atraentes passar o dia cuidando de banheiros e pratos sujos. Assim, a recompensa nesses casos deve ser mais gratificante.
Aqui entendemos que os serviços de limpeza e pia têm importância semelhante aos demais serviços do restaurante para a satisfação do cliente. Por isso a remuneração dessas pessoas não é muito diferente dos ganhos de um garçom.
No Mocotó, a taxa de serviço é divida igualmente entre todos. O auxiliar de limpeza e o gerente recebem a mesma fatia do bolo. Os salários já premiam as diferentes competências e requisições dos cargos.
No ramo, utiliza-se a divisão da caixinha para desonerar o negócio, como os impostos trabalhistas. Nesse sistema, um gerente que ganha na teoria quase o mesmo que um ajudante, recebe dez vezes mais na divisão das gorjetas. Não é certo.
No final, a lógica é igual: do mesmo modo que os melhores profissionais não ficam descolocados, as melhores vagas não ficam vazias.

RODRIGO OLIVEIRA é chef do restaurante Mocotó (av. N. S. do Loreto, 1.100, São Paulo)


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