São Paulo, quinta-feira, 25 de agosto de 2011

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Buenos Aires perde café Richmond para Nike

Segundo o Sindicato dos Trabalhadores de Turismo, Hotéis e Gastronomia, local fechou sem avisar os funcionários

Muito frequentado por artistas, bar fez parte do cenário boêmio nos anos de efervescência cultural da cidade


LUCAS FERRAZ
SYLVIA COLOMBO

DE BUENOS AIRES

Um dos cafés mais famosos de Buenos Aires acaba de fechar as portas. E de um modo brusco. Quem passar no número 458 da calle Florida, em vez de encontrar a imponência da tradicional fachada do Richmond verá pichações e uma porta lacrada.
Conhecido por ter sido frequentado por escritores como Jorge Luis Borges, Oliverio Girondo e Leopoldo Marechal, o café foi fundado em 1917 e desde então era ponto de encontro de políticos, escritores, artistas, além de ser uma das atrações turísticas.
O Richmond integrava a lista dos bares notáveis de Buenos Aires e fez parte do cenário boêmio nos anos de efervescência cultural da cidade. "O café ficou famoso na nossa época de ouro. Buenos Aires era menor, tinha bem menos gente, o tango estava se consolidando, os escritores, surgindo. Depois viriam as revistas culturais. A 'Martin Fierro', por exemplo, tinha tiragem de 50 mil exemplares, o que até para hoje é bastante", diz Álvaro Abós, autor de "Al Pie de la Letra".
O drama do café estendeu-se por vários dias. Neste ano, segundo o Sindicato dos Trabalhadores de Turismo, Hotéis e Gastronomia, o antigo dono do Richmond o vendeu (o que inclui o imponente prédio) para um grupo de empresários argentinos.

LUCRO
O negócio foi fechado por US$ 9 milhões (R$ 14,4 milhões). Os novos proprietários optaram por uma atividade mais lucrativa: pretendem abrir uma loja da Nike.
No último dia 15, uma segunda-feira, os 14 funcionários encontraram o café fechado. "Aproveitaram o fim de semana para retirar alguns móveis, os funcionários nem foram avisados do fechamento", diz Armando Rivera, secretário do sindicato. A indenização trabalhista também não foi acertada.
Os trabalhadores, indignados, ocuparam o local com tambores e faixas.
O imbróglio só foi resolvido com a intervenção do Ministério do Trabalho, que negociou a indenização: o equivalente a R$ 680 mil. Discretos, os novos donos não falam sobre o caso.
A Legislatura de Buenos Aires até que tentou evitar o fechamento do café, aprovando de última hora uma resolução, mas já era tarde.
A preocupação do sindicato, como conta Rivera, é que outros lugares notáveis de Buenos Aires tenham o mesmo destino. Ele quer do governo da capital uma medida de proteção histórica.

TURISTAS
"Esses cafés e restaurantes notáveis não estão mal financeiramente. Geralmente eles têm uma clientela fiel, antiga, e também recebem muitos turistas", diz.
Este não é o primeiro caso de café histórico ameaçado. Em 1997, fechou as portas por razões econômicas a tradicional Confeitaria del Molino, no centro, também frequentada por famosos, como Gardel.
Em San Telmo, o Bar Británico também passou por dificuldades. Inaugurado em 1960, e com a particularidade de permanecer aberto 24h por dia, também teve de fechar em 2006. Mas seu drama foi mais curto. Adquirido por novos donos, reabriu exatamente como era antes.
Para Abós, o fechamento do Richmond vai na contramão do impulso turístico.
"O governo tem obrigação de tentar preservar o café, articulando interesses privados e públicos", diz. Frequentador do Richmond desde 1958, o aposentado Juan Carlo Higues, 72, lamenta a perda de mais um lugar de "diálogo", como definiu o café onde jogava bilhar.


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