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Walter Ceneviva

O Direito mudou a crise

O Direito pode preservar o país, em face do capital internacional, muito mais do que há 80 anos

A maioria absoluta dos brasileiros não havia nascido quando eclodiu a crise econômico-financeira de 1929. Os temores que agora nos preocupam têm a invocação diária dos perigos pelos quais passa o planeta. A crise tem, contudo, para o Brasil, caracterização diversa daquela de 82 anos atrás. Diversidade decorrente, para nosso país, das transformações pelas quais passou o Direito brasileiro nesse período e depois de 1945.

Uns poucos exemplos facilitam a compreensão. Antes, a indústria automobilística, o transporte urbano nas maiores cidades, a produção de energia elétrica, a telefonia, o fornecimento de combustíveis, entre outros, eram controlados de fora do Brasil. Nosso Direito era elemento secundário ante o predomínio da administração externa.

O segundo conflito mundial (1939-1945), alterou tudo. O dólar/ouro de Bretton Woods, elevado à condição de moeda mundial, se impôs. Embora tivessem proclamado a independência desde a primeira metade do século 19, nações latino-americanas e suas lideranças se conformavam com a situação de dependência econômica. Após o fim do conflito dois vetores predominaram: o da industrialização imprescindível e do controle nacional das atividades essenciais.

O perfil era antes estritamente binacional. A empresa estrangeira operava no Brasil, mas suas decisões principais vinham de fora, sem interferência dos governos e da lei brasileira. Depois, o Direito se modificou. Privilegiou a produção nacional. Diversificou a atividade agrícola. Ampliou a quantidade e a qualidade dos clientes.

As relações comerciais do Brasil com o mundo cresceram, assumiram variedade, importância e complexidade marcada pela invocação necessária de um Direito nacional, cujos limites são difíceis de determinar em poucas palavras, mas é perceptível que serão cada vez mais imponíveis.

As relações comerciais externas, nos últimos sessenta anos, tiveram evolução constante. Os limites são definidos com maior clareza, a serem sempre avaliados e aprimorados, em face de nossos direitos. Se o planeta chegar ao momento do "salve-se quem puder", sabe-se que o Direito poderá ser sobrepujado pela conveniência da economia. Mas, não com a gravidade de 1929. Mesmo neste mundo globalizado, o esforço será para que o Direito interno seja garantido pelas regras de Constituição e das leis do Brasil. Ao menos, parece indiscutível que o Direito pode preservar o país, em face do capital internacional, muito mais do que há 80 anos.

Verificando o que se passa atualmente na Europa sabe-se de países que lá não tiveram a mesma prudência. A Itália e a Espanha vivem com dificuldade crescente de recompor seus acordos para pagamento dos débitos, porque não se cuidaram. A retomada deles será difícil e danosa a curto prazo. Levarão tempo para voltar ao que eram.

Lembro, para terminar, um fenômeno setorial do qual não se pode esquecer: o principal executivo do Barclays de Londres, Bob Diamond, disse que os bancos precisam ser cidadãos melhores, no contraste entre grandes lucros e os apertos de seus clientes, as populações e seus governos. Quando se chegar a esse ponto será preciso conferir como o Brasil e os brasileiros devem e podem ser amparados com clareza pelo Direito que aplicarmos.

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