São Paulo, domingo, 1 de fevereiro de 1998

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Má qualidade compromete oferta do ensino no país

Rogério Assis/Folha Imagem
Sorteio para vagas na escola estadual Zuleika de Barros, no bairro da Pompéia (zona noroeste de São Paulo)


Promessa oficial de vagas para todos tropeça no obstáculo da ineficiência da escola pública brasileira, comprovada pelos altos índices de repetência e de evasão de alunos

JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO
da Reportagem Local

As filas de pais à porta das escolas para matricular seus filhos na rede pública, vistas no início deste ano em várias regiões do país, são o reflexo de uma realidade demográfica: esta é a maior geração de estudantes que o Brasil já teve e terá, ao menos nas próximas décadas.
Por sua vez, a resposta do governo federal (há vagas para todos, mas a procura se concentrou nas melhores escolas e provocou filas) admite, implicitamente, que, apesar das melhorias recentes, está longe de ser resolvido o maior problema do sistema educacional brasileiro: a ineficiência do ensino fundamental.
De cada 1.000 alunos que se matriculam na primeira série de uma escola pública, apenas 43 se formarão dentro do tempo mínimo de oito anos. Na média, os que conseguirão chegar ao final do curso demorarão 12 anos para obter seu diploma.
A combinação do problema da qualidade com o da quantidade torna ainda mais difícil ao país alcançar, num breve futuro, aquilo que não vem conseguindo fazer nos últimos 20 anos. Isto é, estender para oito anos a escolaridade básica. A meta, estabelecida em 1969, não foi cumprida até hoje.
Apesar de o percentual de crianças de 7 a 14 anos fora da escola estar diminuindo, seu contingente ainda é grande. De 1992 a 1996, a fuga dos bancos escolares caiu de 13,4% para 8,8% da população para a qual o ensino deveria ser obrigatório. Ou seja: 2,4 milhões de crianças ainda continuavam sem estudar.
Há ainda muitas disparidades regionais. As regiões mais pobres têm menores taxas de escolarização do que as mais ricas. Enquanto 94,1% das crianças do Sudeste vão à aula regularmente, só 86,4% das nordestinas fazem o mesmo.
O problema principal, entretanto, está dentro da escola. Em 1989, só 4 a cada 10 alunos concluíam o ciclo básico. Atualmente, a média é de 6 a cada 10.
Mesmo assim, na melhor das hipóteses 19,8 milhões de jovens estarão entrando no mercado de trabalho ao longo da próxima década com o diploma do ensino fundamental nas mãos. O número é grande, mas não o suficiente para transformar radicalmente o perfil da força de trabalho nacional.
Qualificação
De cada três integrantes da População Economicamente Ativa (ocupados ou procurando emprego), dois não completaram as oito séries do ensino fundamental. Essa massa de trabalhadores menos instruídos soma 43 milhões de pessoas.
Nesse ritmo, e com o decréscimo do número de jovens em idade escolar nas próximas gerações, será cada vez mais difícil para o Brasil aumentar sensivelmente a escolaridade de sua força de trabalho e, assim, conseguir competir em pé de igualdade com seus concorrentes comercias da Ásia, por exemplo.
O número de anos que um trabalhador coreano gastou estudando antes de obter um emprego chega a ser o dobro do tempo passado na escola por um empregado brasileiro. Essa diferença na qualificação da mão-de-obra faz diferença.
Em artigo para o livro "Globalização, Tecnologia e Emprego" (edição do Instituto Brasil Século 21), Milan Brahmbhatt, do Banco Mundial, eleva a política educacional a um dos quatro requisitos fundamentais para as nações terem condições de competir num mercado mundial cada vez mais agressivo.
"A entrada da China e da Índia levará a um aumento mundial da mão-de-obra desqualificada. Portanto, é vital elevar a capacitação dos trabalhadores, dando prioridade à educação básica", assinala.
Sem quantidade para competir com países onde a escala de trabalhadores pouco qualificados é de centenas de milhões, resta ao Brasil investir na qualidade de sua força de trabalho para tentar recuperar os anos de estudo perdidos em relação aos Tigres Asiáticos.
Gargalos
Para alcançar esse objetivo, o Brasil precisa superar dois gargalos. De um lado, tornar realidade a propaganda do governo federal e pôr toda criança na escola. De outro, mantê-las lá e na série equivalente à da sua idade. Dos dois problemas, esse último é o mais difícil.
Quando afirma que não faltam vagas nas escolas, o Ministério da Educação se refere à comparação entre o total da população em idade escolar e o número de carteiras existentes no país.
Porém, as distorções aparecem quando esses dados vão ao nível local. Podem sobrar vagas em um município e faltar em outro. O mesmo ocorre entre bairros das maiores cidades.
Se a questão da oferta de vagas, segundo os dados oficiais, atinge menos de 10% da população em idade escolar, a defasagem entre a série cursada pelo aluno e sua idade é um problema para 60% dos estudantes brasileiros.
Isso significa que, no Estado onde o problema é menos grave, o Rio Grande do Sul, 4 a cada 10 alunos estão ao menos uma série atrasados em relação ao ideal. No Estado onde a situação é pior, a Bahia, essa medida do atraso chega a 8,6 para cada grupo de 10 estudantes.
As causas são várias: da demora para o aluno entrar na escola às altas taxas de repetência, passando pela evasão escolar. As consequências também: acumulação de estudantes nas primeiras séries do ensino fundamental, defasagem de idade entre alunos da mesma classe, desinteresse do aluno pela escola.
A presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), Maria Helena Guimarães de Castro, calcula em 7 milhões os casos mais graves, nos quais o atraso escolar é de duas séries ou mais.
"A taxa de repetência tem que ser combatida com indignação, sem, entretanto, entrarmos no pacto da mediocridade", diz Maria Helena. Ou seja: não vale a pena reprovar um aluno de primeira série, mas também não se deve cair no teatro escolar onde o professor finge que ensina, e o aluno, que aprende.
Na média nacional, 30% dos alunos de primeira a oitava séries repetem de ano a cada período letivo. Mas a situação varia muito de Estado para Estado. "Rio Grande do Sul, Paraná e São Paulo já apresentam um quadro um pouco melhor", diz. No caso paulista, a taxa de repetência é de 17%.
Fluxo escolar
Se diminuir a repetência é o meio de evitar que o atraso escolar se perpetue, as classes de aceleração são a saída para os alunos que já estão defasados. Nessas classes os alunos podem saltar até três séries em um ano, graças a um currículo reforçado e acompanhamento especial.
Há projetos pioneiros em andamento em São Paulo, Minas Gerais, Maranhão, entre outros Estados. No total, algumas dezenas de milhares de estudantes estão se beneficiando desse trampolim. Mas ainda não passam de pouco mais de 2% do total de alunos defasados.
João Batista Gomes Neto, diretor de informações e estatísticas educacionais do Inep, mostra que a taxa de repetência na primeira série (na qual o problema é mais grave e tem mais repercussões sobre o futuro da carreira escolar do aluno) vem caindo com mais rapidez.
No começo dos anos 80, 60% dos estudantes eram reprovados logo no primeiro ano de sua carreira escolar. Em menos de 20 anos essa taxa caiu para 45%. Na sua opinião, essa tendência de regularizar o fluxo escolar fará com que, na virada do milênio, o tempo médio de conclusão do ensino fundamental terá caído de 12 para 10 anos.
O equacionamento da defasagem idade/série, que Maria Helena projeta para daqui a dez anos, e a mudança do perfil demográfico da população provocarão profundas mudanças no quadro escolar nesse meio tempo.
Pelas projeções dos demógrafos, em 2005 deverá haver menos 2,3 milhões de jovens entre 7 a 14 anos no Brasil do que havia em 1996. Em tese, isso deveria desafogar o ensino fundamental, pela redução da demanda, e permitir a melhoria de sua qualidade.
Nesse caso, a solução de um problema deve provocar outro. A regularização do fluxo escolar será o equivalente a romper um dique: os estudantes, hoje represados nas primeiras séries do ensino fundamental, podem triplicar o número de matrículas no ensino médio.
O consultor e ex-secretário-executivo do Ministério da Educação, João Batista Oliveira, alerta que o risco será, então, repetir o erro cometido com o ensino básico: expandir sem qualidade o ensino das três séries que compõem o antigo segundo grau.
Os primeiros efeitos disso já começam a ser sentidos, e não apenas nas filas de pais que buscam matricular seus filhos. Entre 1985 e 1995, a matrícula no ensino médio cresceu 65%, contra 47% no ensino fundamental.



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