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depoimento
"A imagem da menina não sai da memória"
DUILIO FERRONATO
COLUNISTA DA FOLHA
Estalos de tiros e pessoas
correndo. Alguns se jogam
no chão. Eu como sempre
nessas horas não sei o que fazer. Fiquei parado olhando.
A menina na minha frente
torce o corpo, como se uma
explosão tivesse saído de
dentro dela. Não saiu muito
sangue, mas parte dos ossos
das costas saem pela blusa.
Mais uma vez eu não consegui me mexer. Ela estava a
menos de dois metros de
mim. Eles atiraram nela e em
mim. A dela acertou e a minha parou numa árvore.
Abaixei para falar com a
moça. Ela disse: "ai moço, estou tonta" e não falou mais
nada, apesar de estar viva. Tive vontade de chorar, até
chorei um pouco. O sangue
começou a sair e uma mulher
mais atinada que eu tentou
estancá-lo com uma camisa.
Tive que ficar olhando de
longe, mas meu coração se
espedaçou, mesmo não tendo sido atravessado pelo tiro.
Já não sei mais o que imaginei e o que vi. Só a imagem
da menina caindo não sai
mais da memória. Impregnou como marca de fogo.
As motos saíram do banco
Itaú, atirando nas pessoas do
outro lado da rua. Por que fizeram isso? Não faz sentido
atirar em pessoas na calçada,
depois fui perceber que os
seguranças do bingo do outro lado da rua atiravam contra os motoqueiros.
Estive num fogo cruzado.
Eles estavam reagindo aos tiros vindos do outro lado da
rua. Quem acertou a moça?
Os ladrões ou os seguranças.
Não sei dizer. A bala que passou ao meu lado com certeza
veio dos motoqueiros.
Eu não percebi os seguranças até eles começarem a
correr pela rua. Com armas
nas mãos. Eu nem sabia que
seguranças de bingo podiam
correr com armas nas mãos.
Os policiais chegaram fazendo show e corriam como
baratas tontas. Foram mais
de 30 carros e motos da polícia. Atrasados, é claro.
A moça foi colocada no
camburão e levada às pressas. Diziam que outras pessoas teriam sido baleadas, fiquei mais um tempo por ali e
escutei muitas versões do assalto. Muito sangue na frente
da agência, uns diziam que
era dos bandidos e outros,
dos seguranças. Não fui perguntar, já estava além da minha capacidade.
Foi a terceira vez na vida
que atiraram na minha direção e não sofri nada. Nem sei
o que dizer.
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