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MOACYR SCLIAR
As estranhas vozes da fama
Cantor vende suas ações "antes da
fama". Um jovem de origem indiana
que mora em Londres conseguiu arrecadar dinheiro suficiente para dar
o pontapé inicial em sua carreira ao
vender ações de suas futuras royalties no site de leilões e vendas eBay.
Shayan, de 27 anos, insiste que o esquema serviu para evitar a tradicional rota de envio de fitas de demonstração às gravadoras. "A coisa mais
difícil é chamar a atenção das pessoas", disse. Em entrevista à BBC, o
cantor contou que precisava de dinheiro para comercializar as suas
músicas, que são "ótimas".
Folha Online, 19.jul.2005
Quando ouviu a história do
cantor Shayan, ele achou
que ali estava um exemplo a ser
seguido. Também ele se considerava um bom cantor; também ele
estava começando, e achava que
não tinha tido chances suficentes.
Falou com um amigo, promotor
cultural, que se comprometeu a
ajudá-lo. Traçaram o plano. Convidariam investidores para um
espetáculo em que ele se apresentaria, interpretando canções de
sua própria autoria e outras. Ao
final, abririam uma subscrição
para ações de seu próximo CD.
O amigo, que conhecia gente na
mídia, conseguiu uma boa cobertura para o evento. E aí começaram a prepará-lo, em meio a uma
ansiosa expectativa. O jovem cantor confessou a amigos que estava
com um mau pressentimento.
Não deu outra: na véspera do espetáculo acordou completamente
afônico.
E agora? O que fazer? Suspender a apresentação seria um desastre; numa segunda vez não
conseguiriam o apoio da mídia, e
muito menos o de investidores.
Mas então o promotor lembrou-se de um amigo que poderia quebrar o galho.
Esse homem tinha duas habilidades: em primeiro lugar era ventríloquo, ou seja, conseguia falar
por outros (em geral um boneco,
mas nada impediria que o fizesse
também com um ser humano).
Depois, era um razoável cantor.
Já tinha até se apresentado em alguns shows.
Não havia alternativa: era
aquilo ou nada, de modo que foram em frente. E a verdade é que
a coisa funcionou. O rapaz apareceu frente ao público, disse algumas palavras (ou melhor, o ventríloquo disse algumas palavras
por ele) e depois cantou (ou melhor, o cantor cantou por ele). Foi
um sucesso. Os investidores
aplaudiram, entusiasmados,
subscreveram as ações e assim levantou-se a quantia necessária
para o lançamento do CD, que está programado para breve.
Quanto ao ventríloquo, recebeu
seu pagamento e continua fazendo seus espetáculos num pequeno
teatro. Mas já está decidido: breve
iniciará uma carreira como
cantor. Um amigo, promotor cultural, comprometeu-se a ajudá-lo. Já traçaram o plano. Convidarão investidores para um espetáculo em que ele se apresentará,
interpretando canções de sua própria autoria e outras. Ao final,
abrirão uma subscrição para
ações de um CD.
O único problema que pode
ocorrer é uma rouquidão inesperada antes do show. Mas sempre
existem ventríloquos para quebrar esse galho.
Moacyr Scliar escreve nesta coluna, às
segundas-feiras, um texto de ficção baseado em matérias publicadas na Folha
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