São Paulo, segunda-feira, 01 de agosto de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MOACYR SCLIAR

As estranhas vozes da fama

Cantor vende suas ações "antes da fama". Um jovem de origem indiana que mora em Londres conseguiu arrecadar dinheiro suficiente para dar o pontapé inicial em sua carreira ao vender ações de suas futuras royalties no site de leilões e vendas eBay. Shayan, de 27 anos, insiste que o esquema serviu para evitar a tradicional rota de envio de fitas de demonstração às gravadoras. "A coisa mais difícil é chamar a atenção das pessoas", disse. Em entrevista à BBC, o cantor contou que precisava de dinheiro para comercializar as suas músicas, que são "ótimas".
Folha Online, 19.jul.2005

 

Quando ouviu a história do cantor Shayan, ele achou que ali estava um exemplo a ser seguido. Também ele se considerava um bom cantor; também ele estava começando, e achava que não tinha tido chances suficentes. Falou com um amigo, promotor cultural, que se comprometeu a ajudá-lo. Traçaram o plano. Convidariam investidores para um espetáculo em que ele se apresentaria, interpretando canções de sua própria autoria e outras. Ao final, abririam uma subscrição para ações de seu próximo CD.
O amigo, que conhecia gente na mídia, conseguiu uma boa cobertura para o evento. E aí começaram a prepará-lo, em meio a uma ansiosa expectativa. O jovem cantor confessou a amigos que estava com um mau pressentimento. Não deu outra: na véspera do espetáculo acordou completamente afônico.
E agora? O que fazer? Suspender a apresentação seria um desastre; numa segunda vez não conseguiriam o apoio da mídia, e muito menos o de investidores. Mas então o promotor lembrou-se de um amigo que poderia quebrar o galho.
Esse homem tinha duas habilidades: em primeiro lugar era ventríloquo, ou seja, conseguia falar por outros (em geral um boneco, mas nada impediria que o fizesse também com um ser humano). Depois, era um razoável cantor. Já tinha até se apresentado em alguns shows.
Não havia alternativa: era aquilo ou nada, de modo que foram em frente. E a verdade é que a coisa funcionou. O rapaz apareceu frente ao público, disse algumas palavras (ou melhor, o ventríloquo disse algumas palavras por ele) e depois cantou (ou melhor, o cantor cantou por ele). Foi um sucesso. Os investidores aplaudiram, entusiasmados, subscreveram as ações e assim levantou-se a quantia necessária para o lançamento do CD, que está programado para breve.
Quanto ao ventríloquo, recebeu seu pagamento e continua fazendo seus espetáculos num pequeno teatro. Mas já está decidido: breve iniciará uma carreira como cantor. Um amigo, promotor cultural, comprometeu-se a ajudá-lo. Já traçaram o plano. Convidarão investidores para um espetáculo em que ele se apresentará, interpretando canções de sua própria autoria e outras. Ao final, abrirão uma subscrição para ações de um CD.
O único problema que pode ocorrer é uma rouquidão inesperada antes do show. Mas sempre existem ventríloquos para quebrar esse galho.


Moacyr Scliar escreve nesta coluna, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em matérias publicadas na Folha


Texto Anterior: 80% são contra a venda de armas no Brasil
Próximo Texto: Consumo: Professora diz que encontrou larvas dentro de ovo de Páscoa
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.