São Paulo, segunda-feira, 01 de agosto de 2005

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INCLUSÃO SOCIAL

Professor da USP Shigeo Watanabe procura alunos com habilidades na matéria em escolas públicas desde 1977

Físico caça talentos de matemática em SP

ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO

Se existisse um título de doutor honoris causa por inclusão social, poucos brasileiros o mereceriam tanto quanto o professor Shigeo Watanabe.
Desde 1977, o professor concilia a atividade de pesquisador e docente do Instituto de Física da USP (Universidade de São Paulo) com o ofício voluntário de descobridor de jovens talentos em matemática em escolas públicas de São Paulo.
Por sua causa, mais de 200 estudantes carentes ganharam bolsas em escolas particulares e chegaram às melhores universidades públicas do Estado. Quem conhece Watanabe diz que é essa a grande paixão de sua vida, e o que o faz continuar trabalhando mesmo aos 81 anos.
Essa obstinação produziu histórias como a de Reneu Andrioli Júnior, 26. Filho de um recepcionista e de uma manicure, ele foi descoberto por Watanabe em uma olimpíada de matemática que o professor organiza para descobrir esses novos talentos.
Andrioli é hoje engenheiro da Embraer e acaba de concluir seu mestrado no ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica).
"Fui o primeiro da família a ter nível superior. Minha professora me dizia que eu tinha muito potencial, mas a ajuda dele foi fundamental para convencer a mim e a minha família de que eu conseguiria chegar a uma universidade. Sem a bolsa que eu recebi, tudo seria muito mais difícil", afirma Andrioli.
A preocupação com o futuro destes jovens talentos começou em 1977, quando foi organizada a primeira Olimpíada Paulista de Matemática.
O pai do aluno vencedor da competição contou a Watanabe que seu filho pararia de estudar na oitava série para trabalhar.
Com a ajuda da Academia de Ciências do Estado de São Paulo, no entanto, esse estudante conseguiu uma bolsa num colégio particular. Depois, se formou pelo ITA e hoje é pesquisador do Centro de Tecnologia de Marinha.
O estudante de 1977 foi apenas o primeiro de uma série. Nas contas de Watanabe, são mais de 200 alunos.
O sucesso das olimpíadas de matemática o obrigou a procurar escolas particulares dispostas a receber esses alunos.
O maior parceiro, atualmente, é o colégio Objetivo.

Projeto
De 1989 a 2004, o professor recebeu apoio da fundação Vitae, que ofereceu cinco novas bolsas por ano para alunos de baixa renda que se destacavam nas olimpíadas. Neste ano, o projeto ganhou novo parceiro: o Ismart (Instituto Social Maria Telles), que tem como missão descobrir e desenvolver o potencial de talentos de baixa renda.
De acordo com seus colaboradores, quando o apoio de organizações não era suficiente, Watanabe ajudava os alunos do próprio bolso.
Avesso a entrevistas, ele não gosta de falar disso: "Não é isso que é importante. O que importa é que a gente tem que estar disposto a fazer algo por esses alunos".
Seus 81 anos não diminuíram o entusiasmo pelo projeto. Neste ano, ele decidiu ampliar as olimpíadas para escolas públicas de todo o Estado, em vez de se restringir à capital.
Apesar de já ter ajudado mais de 200 alunos, continua achando que é preciso fazer mais.
"Infelizmente, tem muito aluno bom que ser perde por aí. Essas crianças são muito inteligentes. Como aconteceria com aquele garoto de 1977, quando a família é de baixa renda, eles correm o risco de parar de estudar para trabalhar ou fazer um curso superior de baixa qualidade. Alguém tem que ajudar esses jovens talentos. Eles são importantes para o desenvolvimento científico e tecnológico do país", afirma.

Atenção
Essa preocupação faz com que o professor continue acompanhando de perto o desempenho de cada aluno beneficiado.
"Temos aqui no Objetivo 30 alunos encaminhados pelo projeto. É impressionante como ele gosta de cuidar desses bolsistas. Pega o boletim todo bimestre, conversa com os pais e puxa a orelha quando é o caso. Mesmo quando o estudante é do interior, vai pessoalmente ver como está", afirma Maria Luiza de Guimarães, diretora pedagógica do Objetivo.
"Sua felicidade é ver essa meninada bem encaminhada. Não gosta de publicidade, mas a verdade é que há muitas pessoas que hoje são pós-graduadas e têm carreiras brilhantes por causa de sua ajuda", diz.
Sua preocupação com os talentos que descobriu não pára no momento em que eles são encaminhados para colégios particulares. Mesmo quando chegam à universidade, continua sendo uma referência.
"Ele sempre se preocupou com nosso desempenho no colégio e, no meu caso, me acompanhou de perto na USP porque fui bolsista dele no Instituto de Física", diz Andrioli.
"Também organiza encontros na sua casa com vários bolsistas, para mostrar para os mais novos exemplos de quem já tinha passado pelo projeto. Apesar de cobrar bom desempenho, é como um pai", afirma.


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