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CORRUPÇÃO
Denúncias à Ouvidoria apontavam rede criminosa em Guarulhos e São José dos Campos; delegados arquivaram casos
Esquema de policiais era conhecido desde 99
GILMAR PENTEADO
ALESSANDRO SILVA
DA REPORTAGEM LOCAL
Policiais civis presos e denunciados em Guarulhos e em São José dos Campos, em decorrência
de investigações dos ministérios
públicos Federal e Estadual sobre
corrupção e tráfico de drogas, são
velhos conhecidos da Ouvidoria
das Polícias de São Paulo. Eles são
alvo de denúncias pelos mesmos
crimes desde 1999, só que elas foram arquivadas pela polícia, de
acordo com o órgão.
"A Ouvidoria está falando há
muito tempo desses casos e de outros. Se aquelas investigações tivessem sido devidamente apuradas, novos casos não teriam acontecido. Eu fico absolutamente
pasmo ao verificar que nenhuma
dessas coisas são novidade", afirmou o titular da Ouvidoria, Itajiba Farias Ferreira Cravo.
Para ele, a sequência de denúncias já era um indicativo forte para justificar uma investigação
mais consistente por parte da polícia. "Pessoas inocentes são denunciadas injustamente uma só
vez. Agora, um inocente que é
acusado de 1999 a 2002, em casos
diferentes, no mínimo a presunção de inocência fica abalada."
Segundo o ouvidor, as denúncias encaminhadas à Polícia Civil
esbarraram na resistência das Delegacias Seccionais de Guarulhos
e de São José dos Campos.
Quatro policiais civis da Dise
(Delegacia de Investigações sobre
Entorpecentes) de Guarulhos que
tiveram a prisão decretada -três
foram presos na quarta-feira- já
tinham sido denunciados antes
pela Ouvidoria, segundo Cravo.
Cláudio Vieira Machado, Mário
Biágio Masullo e João Trindade
de Mello foram alvo de denúncia
da Ouvidoria por uma ocorrência
em 2001. A suspeita contra os policiais na época envolvia os crimes
de tráfico de drogas, formação de
quadrilha e triplo homicídio.
Segundo o ouvidor, no entanto,
o relatório feito pelo delegado seccional de Guarulhos, João Roque
Américo, "estranhamente" inocentou de responsabilidade os
policiais civis e responsabilizou
policiais militares que teriam participado da mesma operação.
Atualmente, os três policiais e o
investigador Roberto Raymundo
de Andrade são acusados pelos
crimes de formação de quadrilha,
extorsão e narcotráfico. Eles foram flagrados em interceptações
telefônicas feitas pela Polícia Federal a pedido do Ministério Público Federal em Guarulhos.
Na ação, promotores e policiais
da Corregedoria apreenderam
drogas e uma metralhadora dentro da Dise, sem nenhum tipo de
identificação da respectiva
apreensão. Até agora, outros 12
policiais foram afastados da delegacia, que sofrerá uma devassa.
Andrade também é conhecido
na Ouvidoria. Ele foi denunciado
por um caso envolvendo abuso de
poder e tentativa de homicídio
em 2000, porém o episódio ainda
está sendo apurado pela Corregedoria da Polícia Civil.
Sem citar o conteúdo das denúncias, Cravo cita outro caso no
qual o próprio delegado seccional
de Guarulhos é um dos envolvidos no procedimento elaborado
pela Ouvidoria. Só que ele mesmo, segundo o ouvidor, assina
um relatório no qual afirma que a
denúncia é improcedente.
A principal justificativa usada
pelas Seccionais de Guarulhos e
São José dos Campos para não investigar, segundo a Ouvidoria, era
o fato de a denúncia ser anônima.
Para o ouvidor, isso é um paradoxo, já que a polícia incentiva as denúncias anônimas contra criminosos comuns e as usa como ponto de partida de investigações.
"Esse é o pior paradoxo que eles
[os policiais] podem cometer.
Desqualificar denúncias contra
eles e incentivá-las contra os outros. Ou a regra vale para todos ou
se fecha o disque-denúncia e solta
uma parte do povo do PCC [Primeiro Comando da Capital]. As
investigações contra o PCC começaram com denúncias anônimas", afirmou o ouvidor.
São José dos Campos
No Vale do Paraíba, houve o
mesmo problema, segundo o ouvidor. No total, foram 16 denúncias de 1999 a 2002 envolvendo
corrupção em um suposto esquema de proteção a estabelecimentos com máquinas caça-níqueis.
Todas as denúncias, no entanto,
acabaram sendo arquivadas.
De acordo com Cravo, os relatórios que consideraram as denúncias inconsistentes foram feitos
pelo delegado-assistente da Seccional de São José dos Campos,
Antonio Agnaldo Fracaroli -ele
estaria envolvido na maioria dos
casos- e o próprio delegado seccional, Roberto Monteiro de Andrade Júnior.
Neste mês, 19 policiais foram
denunciados pelo Ministério Público Estadual pelo suposto envolvimento no esquema de funcionamento de caça-níqueis
-grande parte deles estava nas
denúncias feitas pela Ouvidoria
anteriormente. Entre os acusados
aparece Fracaroli.
O delegado-assistente e Andrade Jr. estão ainda sendo investigados em um inquérito policial, segundo o corregedor-geral da Polícia Civil, Rui Estanislau Mello.
"Temos os nomes de mais dez
policiais envolvidos nesse esquema", disse o ouvidor.
Oficialmente, Andrade Jr. se
afastou do cargo. Seu sucessor, já
definido, deve ser anunciado nos
próximos dias. Fracaroli recebeu
licença-prêmio neste mês de 90
dias concedida por Andrade Jr.
A Corregedoria também decidiu retomar a investigação de seis
outras denúncias feitas pela Ouvidoria, cujo conteúdo não foi revelado, que também tinham sido arquivadas por Andrade Jr.
Na região de São José dos Campos, policiais civis criaram um selo para distinguir as máquinas
que pertenciam a pessoas que pagavam propina. A identificação
definia quais equipamentos seriam recolhidos nas operações de
repressão ao jogo ilegal.
Este texto foi atualizado com a seguinte informação:
Quando chegou à segunda instância, o Tribunal de Justiça de SP concedeu ordem para o trancamento e extinção da ação penal contra Roberto Monteiro de Andrade Júnior, por entender que inexistiam indícios de envolvimento dele no esquema criminoso - essa decisão foi depois ratificada pelo Superior Tribunal de Justiça em 2010, transitada em julgado.
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