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São Paulo, segunda-feira, 01 de dezembro de 2003

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CORRUPÇÃO

Denúncias à Ouvidoria apontavam rede criminosa em Guarulhos e São José dos Campos; delegados arquivaram casos

Esquema de policiais era conhecido desde 99

GILMAR PENTEADO
ALESSANDRO SILVA
DA REPORTAGEM LOCAL

Policiais civis presos e denunciados em Guarulhos e em São José dos Campos, em decorrência de investigações dos ministérios públicos Federal e Estadual sobre corrupção e tráfico de drogas, são velhos conhecidos da Ouvidoria das Polícias de São Paulo. Eles são alvo de denúncias pelos mesmos crimes desde 1999, só que elas foram arquivadas pela polícia, de acordo com o órgão.
"A Ouvidoria está falando há muito tempo desses casos e de outros. Se aquelas investigações tivessem sido devidamente apuradas, novos casos não teriam acontecido. Eu fico absolutamente pasmo ao verificar que nenhuma dessas coisas são novidade", afirmou o titular da Ouvidoria, Itajiba Farias Ferreira Cravo.
Para ele, a sequência de denúncias já era um indicativo forte para justificar uma investigação mais consistente por parte da polícia. "Pessoas inocentes são denunciadas injustamente uma só vez. Agora, um inocente que é acusado de 1999 a 2002, em casos diferentes, no mínimo a presunção de inocência fica abalada."
Segundo o ouvidor, as denúncias encaminhadas à Polícia Civil esbarraram na resistência das Delegacias Seccionais de Guarulhos e de São José dos Campos.
Quatro policiais civis da Dise (Delegacia de Investigações sobre Entorpecentes) de Guarulhos que tiveram a prisão decretada -três foram presos na quarta-feira- já tinham sido denunciados antes pela Ouvidoria, segundo Cravo.
Cláudio Vieira Machado, Mário Biágio Masullo e João Trindade de Mello foram alvo de denúncia da Ouvidoria por uma ocorrência em 2001. A suspeita contra os policiais na época envolvia os crimes de tráfico de drogas, formação de quadrilha e triplo homicídio.
Segundo o ouvidor, no entanto, o relatório feito pelo delegado seccional de Guarulhos, João Roque Américo, "estranhamente" inocentou de responsabilidade os policiais civis e responsabilizou policiais militares que teriam participado da mesma operação.
Atualmente, os três policiais e o investigador Roberto Raymundo de Andrade são acusados pelos crimes de formação de quadrilha, extorsão e narcotráfico. Eles foram flagrados em interceptações telefônicas feitas pela Polícia Federal a pedido do Ministério Público Federal em Guarulhos.
Na ação, promotores e policiais da Corregedoria apreenderam drogas e uma metralhadora dentro da Dise, sem nenhum tipo de identificação da respectiva apreensão. Até agora, outros 12 policiais foram afastados da delegacia, que sofrerá uma devassa.
Andrade também é conhecido na Ouvidoria. Ele foi denunciado por um caso envolvendo abuso de poder e tentativa de homicídio em 2000, porém o episódio ainda está sendo apurado pela Corregedoria da Polícia Civil.
Sem citar o conteúdo das denúncias, Cravo cita outro caso no qual o próprio delegado seccional de Guarulhos é um dos envolvidos no procedimento elaborado pela Ouvidoria. Só que ele mesmo, segundo o ouvidor, assina um relatório no qual afirma que a denúncia é improcedente.
A principal justificativa usada pelas Seccionais de Guarulhos e São José dos Campos para não investigar, segundo a Ouvidoria, era o fato de a denúncia ser anônima. Para o ouvidor, isso é um paradoxo, já que a polícia incentiva as denúncias anônimas contra criminosos comuns e as usa como ponto de partida de investigações.
"Esse é o pior paradoxo que eles [os policiais] podem cometer. Desqualificar denúncias contra eles e incentivá-las contra os outros. Ou a regra vale para todos ou se fecha o disque-denúncia e solta uma parte do povo do PCC [Primeiro Comando da Capital]. As investigações contra o PCC começaram com denúncias anônimas", afirmou o ouvidor.

São José dos Campos
No Vale do Paraíba, houve o mesmo problema, segundo o ouvidor. No total, foram 16 denúncias de 1999 a 2002 envolvendo corrupção em um suposto esquema de proteção a estabelecimentos com máquinas caça-níqueis. Todas as denúncias, no entanto, acabaram sendo arquivadas.
De acordo com Cravo, os relatórios que consideraram as denúncias inconsistentes foram feitos pelo delegado-assistente da Seccional de São José dos Campos, Antonio Agnaldo Fracaroli -ele estaria envolvido na maioria dos casos- e o próprio delegado seccional, Roberto Monteiro de Andrade Júnior.
Neste mês, 19 policiais foram denunciados pelo Ministério Público Estadual pelo suposto envolvimento no esquema de funcionamento de caça-níqueis -grande parte deles estava nas denúncias feitas pela Ouvidoria anteriormente. Entre os acusados aparece Fracaroli.
O delegado-assistente e Andrade Jr. estão ainda sendo investigados em um inquérito policial, segundo o corregedor-geral da Polícia Civil, Rui Estanislau Mello.
"Temos os nomes de mais dez policiais envolvidos nesse esquema", disse o ouvidor.
Oficialmente, Andrade Jr. se afastou do cargo. Seu sucessor, já definido, deve ser anunciado nos próximos dias. Fracaroli recebeu licença-prêmio neste mês de 90 dias concedida por Andrade Jr.
A Corregedoria também decidiu retomar a investigação de seis outras denúncias feitas pela Ouvidoria, cujo conteúdo não foi revelado, que também tinham sido arquivadas por Andrade Jr.
Na região de São José dos Campos, policiais civis criaram um selo para distinguir as máquinas que pertenciam a pessoas que pagavam propina. A identificação definia quais equipamentos seriam recolhidos nas operações de repressão ao jogo ilegal.

Este texto foi atualizado com a seguinte informação:
Quando chegou à segunda instância, o Tribunal de Justiça de SP concedeu ordem para o trancamento e extinção da ação penal contra Roberto Monteiro de Andrade Júnior, por entender que inexistiam indícios de envolvimento dele no esquema criminoso - essa decisão foi depois ratificada pelo Superior Tribunal de Justiça em 2010, transitada em julgado.


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