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São Paulo, domingo, 02 de março de 2003

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DANUZA LEÃO

Outros Carnavais

Será que o Carnaval era mesmo melhor do que agora, ou o saudosismo é uma mania? Não sei, mas que era divertido e animado, lá isso era.
Havia os gritos de Carnaval, sendo que o Caju Amigo, invenção de Carlinhos Niemeyer, era o melhor de todos. Detalhe: a única bebida servida era batida de caju. Mas havia outros, onde menina de família não entrava; os mais famosos eram o Baile do Cabide (onde os carnavalescos deixavam a roupa na entrada), e o Baile da Balança, para um público específico de advogados, juízes, desembargadores. Sempre à tarde, é claro.
Uns 15 dias antes do Carnaval, começava a dificílima tarefa de escolher as fantasias, que eram várias, confeccionadas por profissionais que só trabalhavam nessa época.
A primeira festa de verdade era o baile do Havaí, no Iate Clube, onde o traje mais adequado era a havaiana, claro -saia de ráfia e soutien colorido- ou o pareô. Um colar comprado no camelô da esquina, uma flor na cabeça, a pele bem queimada -o que em fevereiro era elementar- e pronto. Tinha também o baile do Popeye no Clube Marimbás, na beira do mar de Copacabana, e o baile do Vermelho e Preto no Clube Flamengo, um verdadeiro delírio; quando a orquestra -é, os bailes eram animados por orquestras- atacava de "Uma Vez Flamengo, sempre Flamengo", a multidão vestida de vermelho e preto se acabava. E tem mais: mesmo quem não era Flamengo cantava com fervor, como se fosse verdade -e naquela hora até era-, "Flamengo até morrer, eu sou".
Grande festa, essa.
Aí Guilherme Araujo inventou o baile do Pão de Açúcar, o mais lindo de todos, no Morro da Urca. A fantasia era livre, e não passava pela cabeça de ninguém ir de bermuda e camisa. Não, era sempre uma produção; aliás, uma altíssima produção, onde rumbeiras sambavam abraçadas a piratas e odaliscas a índios de cocar. Atores e atrizes de novelas, intelectuais, socialites, estrangeiros famosos, todo mundo tomava o bondinho -ah, essa festa era maravilhosa e ninguém pensava em ir embora antes de o sol nascer. Quem ia com o namorado saía sozinha, e quem ia sozinha saía com um namorado novo. Ótimos tempos, esses.
Todos os anos havia uma safra de músicas novas; "Quanto riso, oh, quanta alegria, mais de mil palhaços no salão", lembra? Grande Zé Keti. Todo mundo sabia as letras de cór e todo mundo cantava. Além disso, durante o dia, tinha as bandas e os blocos, que não dava para não ir. Como é que a gente aguentava? Não sei como, mas aguentava.
A grande diferença? O carnaval era levado a sério e todas as pessoas, de todas as idades e classes sociais, participavam: quem era famoso ganhava convites para os bailes, quem era pobre saía num bloco de sujo ou ia ver o desfile das Escolas de Samba.
Para o desfile, era só chegar cedo, já que não tinha essa história de pagar.
Todo ano era montada - e depois desmontada - uma arquibancada; não tinha água, nem sanduíche, nem banheiro, e ninguém se movia para não perder o lugar. Como as pessoas conseguiam? Não sei mas conseguiam, e detalhe: o
desfile frequentemente terminava ao meio dia do dia seguinte.
Quem teve a glória de assistir ao desfile de 69 (ou era 70?), quando a Portela foi a última escola a desfilar, nunca se esqueceu: no final, com o dia já claro, o povo invadiu a avenida e foi sambando atrás, cantando "Foi um rio que passou em minha vida", do portelense Paulinho da Viola.
Sinceramente: dá para achar alguma graça, hoje, ver as escolas de um camarote cheio de gente querendo aparecer na foto, vestindo a camiseta do patrocinador? Não mesmo.
Mas tudo bem; vamos deixar para reclamar quando os enredos das escolas forem uma lata de cerveja ou um celular.
Mudou o carnaval? Mudou. E era mais divertido?
Quer saber mesmo? Era sim.

E-mail - danuza.leao@uol.com.br


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