São Paulo, Terça-feira, 02 de Março de 1999
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Jornalismo investigativo e policiais bonitos

MARILENE FELINTO
da Equipe de Articulistas

Os Estados Unidos continuam dando o exemplo de que, quando nem a polícia nem a Justiça funcionam, o jornalismo funciona.
O poder do jornalismo investigativo americano se consagrou no escândalo político de Watergate, em 1972. A investigação de jornalistas do "Washington Post" descobriu o envolvimento do então presidente Nixon com a espionagem contra o partido de oposição, o Democrata. Nixon renunciou em 1974, e seus assessores foram presos.
Esse mesmo jornalismo volta à cena agora, no caso de um homem negro e inocente que se livrou da pena de morte graças ao trabalho de estudantes de jornalismo da universidade Northwestern, em Illinois.
Anthony Porter passou 17 anos no corredor da morte, acusado do homicídio de dois adolescentes. Foi salvo dois dias antes da execução com injeção letal. Os estudantes, orientados por um professor da cadeira de jornalismo investigativo, não só provaram que Porter era inocente como encontraram o assassino.
Cinematográficos os Estados Unidos e essa faceta de suas instituições, em que jornalistas (e mesmo policiais) vão logo virar filme, ter a cara bonita de atores de cinema, de Mel Gibson ou Denzel Washington.
Enquanto aqui, essa atmosfera de mentira constante que nos ronda. Um jornalista que trabalhou na Câmara Municipal de São Paulo me explicou, outro dia, que a imprensa só não desbarata a máfia da corrupção instalada na prefeitura e na Câmara porque não quer.
Observava que não é papel dos jornais só repetir o que a polícia ou o Ministério Público descobrem. Disse que toda a imprensa sabe disso, que qualquer repórter acostumado a cobrir o assunto poderia trabalhar para chegar aos grandes operadores da corrupção de São Paulo, que se arrasta desde antes da ditadura.
O interesse econômico da imprensa na cidade, a pressão de grupos políticos e empresarias explicavam a falta de empenho, ele disse, e o fato de nenhum órgão de imprensa peitar a máfia do lixo, outro esquema de corrupção de idênticas proporções encravado nas Administrações Regionais.
Segundo ele, ainda que a imprensa brasileira esteja mais responsável, acurada e autocrítica, o jornalismo investigativo não tem independência. Basta ver o exemplo da compra de votos para a reeleição de FHC. A própria Folha investigou, reuniu provas, denunciou, mas a história foi enterrada junto com alguns de seus personagens centrais, que já morreram. Ninguém foi punido, FHC foi reeleito e está aí fazendo miséria, completou.
Era um jornalista desanimado, que desistira da grande imprensa por não se sujeitar a censura de nenhuma espécie. De fato, nesses anos FHC, os jornalistas que mais têm espaço são cães de guarda do regime, todos homens da elite rica e branca (não há negros no jornalismo nosso), todos loucos para aparecer bem aos olhos do público, ganhar prêmios de jornalismo e estar nas primeiras páginas. Ou são velhos acomodados a seus nomes e a suas fontes de moral duvidosa. Fica o lixo pelo lixo.

E-mailmfelinto@uol.com.br


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