São Paulo, terça-feira, 02 de maio de 2006

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RUBEM ALVES

Senhor presidente...

Roland Barthes escreveu que é impossível a uma pessoa saber-se diante de uma câmera fotográfica e não fazer pose. Fotografias verdadeiras são aquelas em que a pessoa não sabe que está sendo fotografada. Aí a verdade aparece no rosto. Vi uma fotografia sua distraído. Havia tristeza e desânimo no seu semblante. Foi aquela fotografia que me levou a escrever essa carta.
Vou contar um incidente passado que o ajudará a lembrar-se de mim. Collor, bonito, barbeado, cabelos com brilhantina, falando a língua com perfeição. Aí vieram os ataques contra o senhor: barbudo, voz gutural, tropeçava na língua, falava "menas"... Sob um ponto de vista estético não poderia ser presidente. Eu me indignei com a baixeza dos argumentos e escrevi um artigo que me deu grande sofrimento. Transcrevo um pedacinho:
"Vejam só a que ponto chegamos. Agora ele está querendo ser presidente... Não se enxerga? A começar pelos ancestrais, que não são coisa que se recomende. Há fortes boatos de descender de uma mulher de costumes frouxos e susceptível a amores proibidos. O pai, ao que parece, não conseguia se fixar em emprego algum. E que dizer do lugar onde nasceu? Estado dos mais atrasados, sotaque típico, crescido em meio à rudeza dos que não se refinaram para as lides públicas. Podem imaginar o seu comportamento num banquete? Seria vergonhoso... Cotovelos sobre a mesa, empurrando a comida com o dedão, falando de boca cheia...Seria um vexame nacional..."
Por que me deu sofrimento? Porque eu sabia que os petistas me odiariam até a penúltima linha onde conclui: "Podem guardar seus sorrisos e sua raiva porque isto que escrevi não é sobre quem vocês estão pensando. É sobre Abraham Lincoln."
Eu não estava dizendo que o senhor era o nosso Abraham Lincoln. Estava mostrando que os argumentos que se usaram contra Lincoln eram os mesmos que se usavam contra o senhor. Esse artigo foi distribuído aos milhares pelo PT. Estou lembrando isso para dizer que não sou seu inimigo. Pensei, então, em escrever-lhe, dando um conselho, sabendo que conselhos são inúteis. O conselho é esse: "Não creio que seja política e pessoalmente sábio que o senhor concorra à reeleição".
Pensemos na hipótese de o senhor ganhar. O que aconteceria? Sem procurar vilões, é fato que o país e as nossas instituições políticas estão rachadas por ódios profundos. Ninguém acredita em ninguém. Com exceção dos militantes do PT. Eles têm para com o seu partido uma relação de amor que muito se parece com a relação dos torcedores para com o seu time. Um torcedor ama o seu time incondicionalmente, mesmo que os cartolas sejam bandidos...
O país precisa de paz e nada indica que a sua vitória seria seguida por um período de paz. Teríamos mais quatro anos tumultuados e um povo entristecido pelo espetáculo.
Numa dessas CPIs, um parlamentar falou grosseiramente sobre o PT. O senador Eduardo Suplicy, com a mansidão que sempre o caracteriza, observou que entre os militantes do PT há milhares de pessoas idealistas que lutam por um país melhor. É verdade. Muitos deles são meus amigos.
Eu lhe pergunto, então, se não seria melhor para o senhor, para o partido e para o país, que um outro fosse o candidato do PT. Há, no PT, pessoas inteligentes e íntegras que poderiam se candidatar à Presidência.
Se o senhor não se candidatasse, acho que isso muito contribuiria para a pacificação dos ânimos porque, quer o senhor queira quer não, o fato é que o senhor, como presidente, é o centro do Katrina que nos açoita.
Aí, então, se um fotógrafo o fotografasse distraído, seria possível que o seu rosto irradiasse tranqüilidade...


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