|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
RUBEM ALVES
Senhor presidente...
Roland Barthes escreveu que
é impossível a uma pessoa saber-se diante de uma câmera fotográfica e não fazer pose. Fotografias verdadeiras são aquelas em
que a pessoa não sabe que está
sendo fotografada. Aí a verdade
aparece no rosto. Vi uma fotografia sua distraído. Havia tristeza e
desânimo no seu semblante. Foi
aquela fotografia que me levou a
escrever essa carta.
Vou contar um incidente passado que o ajudará a lembrar-se de
mim. Collor, bonito, barbeado, cabelos com brilhantina, falando a
língua com perfeição. Aí vieram os
ataques contra o senhor: barbudo,
voz gutural, tropeçava na língua,
falava "menas"... Sob um ponto de
vista estético não poderia ser presidente. Eu me indignei com a baixeza dos argumentos e escrevi um
artigo que me deu grande sofrimento. Transcrevo um pedacinho:
"Vejam só a que ponto chegamos. Agora ele está querendo ser
presidente... Não se enxerga? A começar pelos ancestrais, que não
são coisa que se recomende. Há
fortes boatos de descender de uma
mulher de costumes frouxos e susceptível a amores proibidos. O pai,
ao que parece, não conseguia se fixar em emprego algum. E que dizer do lugar onde nasceu? Estado
dos mais atrasados, sotaque típico, crescido em meio à rudeza dos
que não se refinaram para as lides
públicas. Podem imaginar o seu
comportamento num banquete?
Seria vergonhoso... Cotovelos sobre a mesa, empurrando a comida
com o dedão, falando de boca
cheia...Seria um vexame
nacional..."
Por que me deu sofrimento? Porque eu sabia que os petistas me
odiariam até a penúltima linha
onde conclui: "Podem guardar
seus sorrisos e sua raiva porque isto que escrevi não é sobre quem
vocês estão pensando. É sobre
Abraham Lincoln."
Eu não estava dizendo que o senhor era o nosso Abraham Lincoln. Estava mostrando que os argumentos que se usaram contra
Lincoln eram os mesmos que se
usavam contra o senhor. Esse artigo foi distribuído aos milhares pelo PT. Estou lembrando isso para
dizer que não sou seu inimigo.
Pensei, então, em escrever-lhe,
dando um conselho, sabendo que
conselhos são inúteis. O conselho é
esse: "Não creio que seja política e
pessoalmente sábio que o senhor
concorra à reeleição".
Pensemos na hipótese de o senhor ganhar. O que aconteceria?
Sem procurar vilões, é fato que o
país e as nossas instituições políticas estão rachadas por ódios profundos. Ninguém acredita em ninguém. Com exceção dos militantes
do PT. Eles têm para com o seu
partido uma relação de amor que
muito se parece com a relação dos
torcedores para com o seu time.
Um torcedor ama o seu time incondicionalmente, mesmo que os
cartolas sejam bandidos...
O país precisa de paz e nada indica que a sua vitória seria seguida por um período de paz. Teríamos mais quatro anos tumultuados e um povo entristecido pelo
espetáculo.
Numa dessas CPIs, um parlamentar falou grosseiramente sobre o PT. O senador Eduardo Suplicy, com a mansidão que sempre
o caracteriza, observou que entre
os militantes do PT há milhares de
pessoas idealistas que lutam por
um país melhor. É verdade. Muitos deles são meus amigos.
Eu lhe pergunto, então, se não
seria melhor para o senhor, para o
partido e para o país, que um outro fosse o candidato do PT. Há,
no PT, pessoas inteligentes e íntegras que poderiam se candidatar
à Presidência.
Se o senhor não se candidatasse,
acho que isso muito contribuiria
para a pacificação dos ânimos
porque, quer o senhor queira quer
não, o fato é que o senhor, como
presidente, é o centro do Katrina
que nos açoita.
Aí, então, se um fotógrafo o fotografasse distraído, seria possível que o seu rosto irradiasse
tranqüilidade...
Texto Anterior: Outro lado: Motorola diz não ter dados sobre o caso Próximo Texto: Há 50 anos: Síria rejeita cessar fogo contra Israel Índice
|