São Paulo, sábado, 2 de maio de 1998

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LEIS
Para o Judiciário, flagrante armado é "crime impossível'

EUNICE NUNES
especial para a Folha


O Judiciário tem, sistematicamente, rejeitado o flagrante preparado (ou provocado), considerando-o um crime impossível.
Flagrante preparado é aquele em que a polícia, por meio de um agente provocador, instiga alguém a praticar um delito, prendendo-o, então, em flagrante.
Por exemplo, um policial disfarçado diz a alguém que quer comprar determinada quantidade de substância entorpecente. Essa pessoa não tem o produto, mas, diante do pedido insistente, concorda em arrumar a droga.
"Quando o indivíduo chega com a droga, o policial identifica-se e prende-o em flagrante. Esse flagrante não vale nada, pois aquela pessoa não cometeria aquele crime se não tivesse sido instigada, provocada a fazê-lo", afirma Adriano Salles Vanni, advogado criminalista.
"É o chamado crime impossível, porque foi produzido artificialmente e acaba não se consumando", explica Celso Limongi, desembargador do Tribunal de Justiça (TJ) de São Paulo.
Nesse sentido, há a Súmula 145 do Supremo Tribunal Federal (STF). Ela estabelece que "não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação".
Mas não se caracteriza o flagrante preparado, segundo Limongi, quando o autor provocado pelo policial disfarçado já tem consigo a droga.
"Nesse caso, o crime já está consumado, pois a pessoa já tinha a droga e consente em vendê-la. Enquadra-se na definição de tráfico de entorpecentes", diz o desembargador.
Alberto Zacharias Toron, advogado criminalista, discorda. "Muitas vezes, a pessoa tem a droga para consumo próprio. Consente em dar ou vender depois de muita insistência do policial disfarçado. Não agiria dessa forma se não tivesse sido provocado".
Já o flagrante esperado é aceito pela jurisprudência, pois a polícia não faz o crime acontecer artificialmente.
"A polícia tem a informação, investiga e espera acontecer, surpreendendo o autor na prática criminosa", afirma Maurides de Melo Ribeiro, também advogado criminalista.
O flagrante esperado, portanto, é decorrência da investigação policial. E quando a investigação é bem feita, o Judiciário -diante de fortes indícios da prática criminosa- tem autorizado a censura telefônica e concedido mandado de busca e apreensão.
"O que não pode é o Estado interferir na vida do cidadão fora das hipóteses previstas na lei penal. Provocar um crime para fazer uma prisão é uma total inversão de valores. A polícia tem o dever de coibir o crime. Não lhe cabe provocá-lo", sustenta Ribeiro.
Quanto ao flagrante forjado -aquele em que o policial ou qualquer outra pessoa "cria" provas de um crime inexistente-, não há dúvidas. Trata-se de uma armação e quem o provocar poderá responder por denunciação caluniosa, abuso de autoridade etc.



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