São Paulo, domingo, 02 de junho de 2002

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"Será que vou pegar muitos anos?"

DA REPORTAGEM LOCAL

Edson Leandro da Silva, 19, entrou no mundo dos sequestros sem saber exatamente quais seriam as consequências disso.
"Será que vou pegar muitos anos?", pergunta. Silva, que abandonou -por medo da cadeia e de ser morto- a prática de roubo (pena de quatro a dez anos de prisão) e o tráfico (de três a 15 anos), nem imagina que está sujeito a um pena maior pelo crime de sequestro (de oito a 15 anos), como ele revela nesta entrevista.
 

Folha - Você não pensou que poderia ser preso?
Edson Leandro da Silva -
Não. Só pensei no lado bom.

Folha - Que lado bom?
Silva -
Pensei que poderia conseguir dinheiro fácil. Não tinha risco de ser preso ou morto. Pretendia usar o dinheiro para ajudar a minha mãe e a minha filha.

Folha - De onde você tirou a idéia de que seria fácil?
Silva -
Vendo na televisão.

Folha - Mas a televisão também mostra sequestradores sendo presos e mortos.
Silva -
É. Pensei que fosse fácil. O outro cara -um segundo homem que também cuidava do cativeiro- conseguiu fugir dos policiais pela janela. Eu estava dormindo quando a polícia chegou. Ele está solto, eu estou aqui (preso). Era para vir um dinheiro, e estou aqui. Fazer o quê?

Folha - Como você se envolveu nesse sequestro?
Silva -
Eu recebi um telefonema em casa. Perguntaram se eu queria ganhar um dinheiro, e eu disse que sim.

Folha - Quem ligou?
Silva -
Não sei. Algum amigo meu deve ter me indicado para ele. Só me disseram para ir a uma casa e cuidar de um cara. Lá encontrei uma pessoa que eu não conhecia, que me falou para vigiar o refém, dar um lanche, levar ele no banheiro, ir buscar comida.

Folha - Quanto você iria receber?
Silva -
Ainda não estava nada certo. Eu esperava receber de R$ 5.000 a R$ 6.000 pelo serviço. Disseram para mim que o sequestro iria dar bastante dinheiro.

Folha - Você sabia pelo menos quem era o refém?
Silva -
Só sabia que era um homem, mas não quem era. Quando cheguei ao cativeiro, só me disseram o que eu tinha de fazer.

Folha - Você já foi convidado para outros crimes?
Silva -
Sim. Para traficar droga.

Folha - E você fez?
Silva -
Um dia ou dois. Mas larguei porque fiquei com medo de ser morto.

Folha - Como era?
Silva -
Eu recebia R$ 1 por trouxinha de R$ 5 de maconha ou cocaína que conseguisse vender na boca-de-fumo de um conhecido.

Folha - Você ganharia quanto?
Silva -
Se tivesse ficado no esquema, acho que eu ganharia uns R$ 900 por mês no tráfico.

Folha - E por que largou?
Silva -
Qualquer desavença acaba em morte. Uma hora acaba morrendo. Cresce o olho grande em você, que está levantando rápido. A gente acaba morrendo por causa da inveja.

Folha - Você desistiu por medo?
Silva -
É. Fiquei com medo de morrer. Era muito risco e não quis mais isso.

Folha - Tentaram matar você?
Silva -
A polícia chegou e pegou um tanto de maconha, que valia R$ 125. Paguei R$ 25 com o dinheiro que eu tinha, mas o gerente da boca [o que traz a droga e leva o dinheiro da venda" achou que eu usei o resto da droga. Ele me levou para um lugar e tentou me matar. Mas eu corri. Ele deu seis tiros e não acertou nenhum. Não sei se ele é ruim de mira ou se eu é que tenho sorte.

Folha - Como você saiu dessa?
Silva -
Meu irmão me ajudou a pagar a dívida. Ele me deu R$ 50 e eu arrumei mais R$ 50. Só que ele contou para minha mãe. Ela me deu uma surra com uma mangueira de chuveiro.

Folha - Quando foi isso?
Silva -
Há seis meses, mais ou menos. Ela me dizia que não queria o meu mal. Ela me batia e chorava. Ela tem problema no coração. Todos da minha família trabalham. O meu irmão também me bateu para que eu tomasse juízo na vida.

Folha - Parece que você não aprendeu a lição.
Silva -
É. Achei que não teria risco. Minha mãe deve estar muito magoada comigo.

Folha - Antes do tráfico, você já tinha se envolvido em outro crime?
Silva -
Eu fui convidado para roubar carga. A gente chegou a ir a uma firma, dez meses atrás. A gente iria entrar na firma e esperar o carro-forte entregar o dinheiro do pagamento. Eu ficaria vigiando os funcionários da firma e os outros pegariam o dinheiro. Só que tinha uma viatura da polícia na área e desistimos. Fiquei com medo de ser preso e não quis mais saber disso.

Folha - Mas não teve medo de se envolver em sequestro...
Silva -
Pensei que era só pegar, telefonar, marcar e o dinheiro estaria na mão. Era mais fácil do que roubar e traficar.

Folha - Você já teve emprego?
Silva -
Já fui entregador de água e de frutas. Já tentei trabalhar em uma imobiliária de um amigo meu, mas não consegui vender nenhuma casa. Nada deu certo. Será que vou pegar muitos anos?



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