São Paulo, domingo, 02 de junho de 2002

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DANUZA LEÃO

Tentações perigosas

Encontrar um amor antigo é sempre embaraçoso -e complicado. Se ele te fez sofrer, não dá para abrir um sorriso e mandar um "oi, tudo bem?". E se foi você que aprontou, seria de uma cruel indelicadeza fazer a pergunta.
Em lugares com muita gente é possível disfarçar; pode apertar os olhos e fingir que ficou míope, por exemplo. Mas, se der de cara com ele num canto meio deserto, é mais prudente atender o celular (que não tocou -faz de conta que só vibrou), para cortar qualquer possibilidade de uma conversa. E conversar sobre o quê? Política, o último filme? Sobre o passado, claro, nem pensar.
Mas difícil mesmo é quando duas pessoas tiveram um grande caso de amor em outra cidade -Paris, por exemplo-, há muitos e muitos anos, nunca mais se viram e o acaso faz com que eles se cruzem numa rua ou num café -na mesma Paris.
Primeiro é o susto, seguido de uma fração de segundo para reconhecer -quem diria?- aquele que foi uma grande paixão. Essa hesitação acontece com os dois; não que um tenha se esquecido do outro, mas tudo aconteceu há tanto tempo, que, quando esse encontro acontece, a ficha leva uns segundos para cair.
Ela vai achar que o tempo foi cruel com ele, esquecida de que o tempo passou para ela também; mais do que qualquer ruga, foi a expressão do olhar que mudou.
Por expressão do olhar entenda-se o brilho das ilusões dos 20 anos, das esperanças, da certeza de que o amor seria eterno. O tempo passa e a vida vai nos fazendo menos crédulas e mais práticas; menos românticas, sobretudo. Quando eles se olham, se dão conta de tudo isso e de muito mais; sabem que cada marca no rosto, cada fio de cabelo branco, é resultado de outros amores que aconteceram desde a última vez que se viram, das experiências pelas quais passaram, um sem o outro. É a dolorosa constatação de que a vida passou.
Como é possível perguntar a um ex-grande amor o que aconteceu nos anos em que não se viram, saber se ele sofreu quando se separaram, se a esqueceu, se se apaixonou de novo? E não poder dizer que em todos esses anos nunca surgiu outro homem que apagasse de seu coração e de seu corpo a lembrança de tudo que eles foram, que, quando toca a música que era a deles, seu coração ainda bate forte e que nunca, em todos esses anos, ela perdeu a esperança de que ele um dia telefonasse e dissesse que foi tudo um grande erro, que a queria de novo para sempre. Como dizer isso a um homem que não vê há 20 anos?
Não dá, simplesmente não dá.
Quando esse encontro acontece e os dois não resistem a tomar juntos um copo de vinho, a conversa, geralmente, é perigosa -e geralmente os dois só fazem mentir. O que está feliz não fala, por delicadeza. E o outro, que está só e infeliz, também se cala. Problemas sentimentais podem ser contados a amigos, não a ex-amores.
Mas tem pior: é quando você reencontra esse homem que não vê há tanto tempo e por quem fez todas as loucuras, não sente absolutamente nada e ainda pensa: "Como é que eu perdi tanto tempo com esse bobo?" A auto-indulgência nos poupa de pensar "como eu era boba".
Por essas razões e mais umas 500, é mais prudente deixar o passado no seu devido lugar; mas, se acontecer um desses encontros e pintar a vontade de voltar no tempo, seja forte e resista à tentação. Bravamente, se for preciso.
Em certas coisas não se deve mexer, e o passado é, decididamente, uma delas.

E-mail - danuza.leao@uol.com.br



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