São Paulo, quarta-feira, 02 de junho de 2004

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"No começo, tudo era alegria"

DA REPORTAGEM LOCAL

Viviane de Brito, 34, gosta de ir para as reuniões do Caps (Centro de Atenção Psicossocial) levando no colo a filha Melissa, de seis meses. "Sou uma dependente química e serei sempre", ela diz. Usuários e ex-usuários de drogas e álcool ali se consideram dependentes -uma vez "doentes", sempre serão "doentes".
Como a maioria no Caps de Ermelino Matarazzo, Viviane começou "namorando" a maconha aos 12 anos, ficou "noiva" da cocaína e logo se "casou" com o crack. É a trajetória.
Chegou a fazer o primeiro grau, mas foi abandonada pela família e o primeiro companheiro foi embora quando tinha 19 anos. Alguns períodos de sobriedade permitiram que ela concluísse o colegial, até que tudo recomeçasse. "Não conseguia mais parar em pé. O Sérgio [que coordena o Caps] me salvou."
Aos 24, nova recaída. Comprava crack com o dinheiro que o marido deixava para fazer a feira. Não dormia mais em casa. Durante 12 anos, viveu ao léu e para as drogas. Até que, dois anos atrás, reencontrou Sérgio e seu grupo, conheceu outro companheiro e prometeu recomeçar.
O companheiro, dependente de solventes, está internado numa clínica. Ela faz trabalhos no Caps, participa dos grupos, sempre carregando Melissa nos braços, "minha garantia de motivação".
Ednaldo Dias de Almeida, 40 anos, começou aos 10 com cola e benzina, foi para a maconha, chegou ao crack, depois à cocaína. Seus dois irmãos morreram, um de tiro, outro acabado pela droga.
Almeida se drogava, mas se agüentava, diz. Fez hidráulica e mecânica no Senac, acordava às 4h, se juntava aos amigos para cheirar, às 7h estava "em forma" na classe. "No começo, tudo era alegria, prazer."
Logo veio o uso na hora do almoço, nas saídas da noite, mas ainda assim tornou-se ajustador mecânico, casou-se e trabalhou numa empresa de ônibus. Durou pouco. Logo perdeu a família, afastou-se dos dois filhos, foi preso por assalto.
"Eu via amigos saírem daquela, eu também queria, mas não sabia que era uma doença. Fui para clínicas de evangélicos, saía pior. Eu não sabia dizer não, só o cheiro da droga derrubava todos os meus propósitos." Há um ano, Almeida conheceu o Caps, está "limpo" há 45 dias, retomou o contato com os filhos e é um dos voluntários do centro.

Psicotrópicos
Claudio Ferreira Machado, 42, começou aos 11, já com cocaína, numa carreira oferecida por um conjunto musical do qual pretendia participar. Estudou música em conservatório, fez artesanato, chegou a cursar o magistério, ia fazer curso de educação, teve uma filha, quando tudo recomeçou. Ficou dependente de psicotrópicos receitados por médicos.
Usou Decadron, Amitril, Fenergan e Diazepan, um para "pegar no tranco", outro para manter a calma, outros para dormir. Chegou a estudar em colégio de freiras e a fazer faculdade de teologia em Salvador.
Conheceu o crack na Bolívia e usava cocaína com o grupo que tocava violão na igreja. Hoje, para "sobreviver", associa antidepressivos e anticonvulsivos sob os cuidados de um médico do Caps.
Willians, 36, entre os que formavam o grupo reunido no Caps, foi o que mais se aproximou da morte. Tentou o suicídios três vezes, teve parada cardíaca, seis paradas respiratórias, viveu em cadeira de rodas, voltou a usar fraldas, ficou 105 dias numa UTI. "Para mim, viver ou morrer não importava."
Hoje faz esses relatos como se fossem do passado. Não sabe quanto tempo vai durar. Como a maioria, começou cedo com maconha e cocaína e acrescentou o álcool e a droga injetável depois dos 20 anos. Trabalhava das 12h às 22h, o que lhe dava tempo para se drogar, dormir e voltar ao trabalho, aparentemente "em forma". "Depois dos 30, comecei a pegar nojo dessas drogas normais e me afundei no álcool." Está há cinco anos com uma companheira, que ficou a seu lado mesmo quando soube que ele estava com Aids. Há um ano está no Caps de Ermelino. "Já passo algumas semanas limpo", ele diz.


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