|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"No começo, tudo era alegria"
DA REPORTAGEM LOCAL
Viviane de Brito, 34, gosta de ir
para as reuniões do Caps (Centro
de Atenção Psicossocial) levando
no colo a filha Melissa, de seis meses. "Sou uma dependente química e serei sempre", ela diz. Usuários e ex-usuários de drogas e álcool ali se consideram dependentes -uma vez "doentes", sempre
serão "doentes".
Como a maioria no Caps de Ermelino Matarazzo, Viviane começou "namorando" a maconha aos
12 anos, ficou "noiva" da cocaína
e logo se "casou" com o crack. É a
trajetória.
Chegou a fazer o primeiro grau,
mas foi abandonada pela família e
o primeiro companheiro foi embora quando tinha 19 anos. Alguns períodos de sobriedade permitiram que ela concluísse o colegial, até que tudo recomeçasse.
"Não conseguia mais parar em pé.
O Sérgio [que coordena o Caps]
me salvou."
Aos 24, nova recaída. Comprava
crack com o dinheiro que o marido deixava para fazer a feira. Não
dormia mais em casa. Durante 12
anos, viveu ao léu e para as drogas. Até que, dois anos atrás, reencontrou Sérgio e seu grupo, conheceu outro companheiro e prometeu recomeçar.
O companheiro, dependente de
solventes, está internado numa
clínica. Ela faz trabalhos no Caps,
participa dos grupos, sempre carregando Melissa nos braços, "minha garantia de motivação".
Ednaldo Dias de Almeida, 40
anos, começou aos 10 com cola e
benzina, foi para a maconha, chegou ao crack, depois à cocaína.
Seus dois irmãos morreram, um
de tiro, outro acabado pela droga.
Almeida se drogava, mas se
agüentava, diz. Fez hidráulica e
mecânica no Senac, acordava às
4h, se juntava aos amigos para
cheirar, às 7h estava "em forma"
na classe. "No começo, tudo era
alegria, prazer."
Logo veio o uso na hora do almoço, nas saídas da noite, mas
ainda assim tornou-se ajustador
mecânico, casou-se e trabalhou
numa empresa de ônibus. Durou
pouco. Logo perdeu a família,
afastou-se dos dois filhos, foi preso por assalto.
"Eu via amigos saírem daquela,
eu também queria, mas não sabia
que era uma doença. Fui para clínicas de evangélicos, saía pior. Eu
não sabia dizer não, só o cheiro da
droga derrubava todos os meus
propósitos." Há um ano, Almeida
conheceu o Caps, está "limpo" há
45 dias, retomou o contato com os
filhos e é um dos voluntários do
centro.
Psicotrópicos
Claudio Ferreira Machado, 42,
começou aos 11, já com cocaína,
numa carreira oferecida por um
conjunto musical do qual pretendia participar. Estudou música
em conservatório, fez artesanato,
chegou a cursar o magistério, ia
fazer curso de educação, teve uma
filha, quando tudo recomeçou. Ficou dependente de psicotrópicos
receitados por médicos.
Usou Decadron, Amitril, Fenergan e Diazepan, um para "pegar
no tranco", outro para manter a
calma, outros para dormir. Chegou a estudar em colégio de freiras e a fazer faculdade de teologia
em Salvador.
Conheceu o crack na Bolívia e
usava cocaína com o grupo que
tocava violão na igreja. Hoje, para
"sobreviver", associa antidepressivos e anticonvulsivos sob os cuidados de um médico do Caps.
Willians, 36, entre os que formavam o grupo reunido no Caps,
foi o que mais se aproximou da
morte. Tentou o suicídios três vezes, teve parada cardíaca, seis paradas respiratórias, viveu em cadeira de rodas, voltou a usar fraldas, ficou 105 dias numa UTI.
"Para mim, viver ou morrer não
importava."
Hoje faz esses relatos como se
fossem do passado. Não sabe
quanto tempo vai durar. Como a
maioria, começou cedo com maconha e cocaína e acrescentou o
álcool e a droga injetável depois
dos 20 anos. Trabalhava das 12h
às 22h, o que lhe dava tempo para
se drogar, dormir e voltar ao trabalho, aparentemente "em forma". "Depois dos 30, comecei a
pegar nojo dessas drogas normais
e me afundei no álcool." Está há
cinco anos com uma companheira, que ficou a seu lado mesmo
quando soube que ele estava com
Aids. Há um ano está no Caps de
Ermelino. "Já passo algumas semanas limpo", ele diz.
Texto Anterior: Saúde: Apoio a drogados enfrenta crise em SP Próximo Texto: Rádio debate dependência Índice
|