São Paulo, quinta-feira, 02 de junho de 2005

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PASQUALE CIPRO NETO

"1/3 das brasileiras nunca examinou..."

O texto da semana passada terminou com uma referência à concordância do verbo com o sujeito formado por expressões de porcentagem. Vimos que, na imprensa -sobretudo nos jornais e revistas-, predomina a opção pela flexão do verbo de acordo com o especificador do número percentual ("Apenas 55% do eleitorado compareceu às urnas"), embora não faltem registros da opção pela concordância fixa com a porcentagem ("Apenas 55% do eleitorado compareceram às urnas"). Como vimos, quem opta pela segunda hipótese corre o risco de perpetrar frases como "Apenas 1% das mulheres foi contaminado pelo vírus" ou "Apenas 1% das adolescentes ficou grávido", que são, no mínimo, "estranhas". Nesses casos (em que se usam verbos como "ser", "ficar", estar" etc.), a concordância com o especificador ("Apenas 1% das mulheres foram contaminadas...") parece muito mais palatável. Mais uma vez, cumpre dizer que a concordância do verbo com as porcentagens ainda apresenta alguma instabilidade porque constitui fato mais ou menos "novo" na língua e porque seu uso está restrito a textos técnicos ou jornalísticos (no caso dos jornais, o uso se intensifica depois da criação dos cadernos específicos, sobretudo nos que tratam de economia, finanças e mercados, em que é comum o "estatistiquês"). Posto isso, vamos aos leitores, que, depois do texto da última quinta-feira, mais do que depressa escreveram para perguntar sobre a concordância do verbo com o sujeito formado por frações aritméticas (1/3, 2/3, 3/5 etc.). Dois desses leitores (Francisco A. Romanelli e Beto Garrido Boullosa) se referiram a uma manchete da Folha ("1/3 das brasileiras nunca examinou a mama"), publicada na mesma quinta-feira. "E quando se trata de frações? A regra é a mesma?", perguntou o leitor Romanelli. Mais uma vez, cumpre dizer que o caso é um tanto delicado. A julgar pelo (pouco) que se vê sobre o assunto nos manuais, guias e gramáticas, nos registros formais da língua predominam os casos em que o verbo concorda com o numerador da fração ("Apenas 1/3 das fábricas nacionais produz esse tipo de instrumento"; "2/3 da frota ainda circulam pelo país"). Na prática, no entanto, nota-se que começa a acentuar-se a opção pela concordância por atração, ou seja, pela concordância com o especificador da fração, sobretudo quando se trata de verbos como "ser", "ficar", "estar" etc. ("Apenas 1/3 das adolescentes foram contaminadas pelo vírus"), tal qual ocorre com as porcentagens. Com outros verbos, parece predominar a concordância com o numerador ("1/3 dos jornalistas aceitou a proposta"; "2/3 dos jornalistas aceitaram a proposta"). A esta altura, os leitores talvez estejam chegando à conclusão de que não parece fazer muito sentido a adoção de critérios diferentes em casos tão semelhantes, ou seja, fazer o verbo concordar com o especificador da porcentagem, mas com o numerador da fração aritmética. Cá entre nós, também não vejo muito sentido nisso. É sempre bom lembrar, no entanto, que o senhor de toda essa questão é o uso, por isso supõe-se que as "regras" mencionadas nos manuais, gramáticas e guias sejam fruto da efetiva observação do emprego, do registro. É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras
@ - inculta@uol.com.br


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