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Terapia para dramas e aflições ganha espaço no serviço público
Treinamento para implantar iniciativa, surgida no Ceará há 20 anos e adotada na Europa, reúne interessados em prevenir doença mental em comunidades
FABIANE LEITE
ENVIADA ESPECIAL A FORTALEZA E BEBERIBE (CE)
Terapia para não ficar com
"cara de azedo". Terapia "a la
carte", em que cada um escolhe
o que pode lhe aliviar. Reuniões
para falar dos problemas, escutar e se aproximar dos outros,
resumiram os franceses.
A terapia comunitária surgiu
há 20 anos no Pirambu, um dos
bairros mais pobres de Fortaleza, chegou à França e à Suíça e
se expande em serviços públicos de todo o país com a proposta de acolher dramas humanos -solidão, perdas- e prevenir o adoecimento mental.
Em Fortaleza, a prefeitura
promete expandir o método do
Pirambu, na zona oeste da cidade, para outras sete regiões de
risco social. Na cidade de São
Paulo, há cerca de 300 terapeutas comunitários, e o método já
atingiu 138 equipamentos de
saúde, como hospitais e postos
-a prefeitura promete implantá-lo em todas as unidades básicas de saúde até 2008. Sobral
(CE) e Londrina (PR) são outras cidades que também já implantaram o método.
Já a Senad (Secretaria Nacional Antidrogas) utiliza a terapia
para preparar 720 pessoas de
12 Estados que trabalham com
usuários de drogas.
Segundo a Associação Brasileira de Terapia Comunitária,
há cerca de 8.000 terapeutas
formados ou em formação em
todos os Estados, em serviços
públicos, igrejas ou ONGs, que
já realizaram mais de 1,7 milhão de sessões da terapia.
As rodas do programa -todas as sessões são em círculos-
têm quase sempre a mesma dinâmica: quem quer fala de algo
que lhe aflige, os demais votam
na história com a qual mais se
identificam e podem fazer perguntas e contar suas experiências pessoais. É proibido falar
dos outros, dar conselhos, sermões. Cada fala é precedida por
um "eu" -o que vale é o que cada um passou.
Músicas que tenham a ver
com o tema escolhido, piadas,
são bem-vindos. Chá e bolo
também costumam circular.
"É bem caloroso", resume o
psiquiatra, teólogo e antropólogo cearense Adalberto Barreto,
57, professor do Departamento
de Saúde Comunitária da Universidade Federal do Ceará que
desenvolveu e propaga o método nesses últimos 20 anos. O
objetivo, resume, é criar espaços de fala em comunidades cada vez mais caladas. O lema da
terapia é um ditado cearense
que Barreto não se cansa de repetir. "Quando a boca cala, os
órgãos falam. Quando a boca fala, os órgão saram."
No centro de uma oca estilizada, em uma pousada de Morro Branco, Beberibe, a 80 km de
Fortaleza, Barreto ensinava
mais um grupo de futuros terapeutas. Eram assistentes sociais, médicos, psicólogos, religiosos, enfermeiros, integrantes da defesa civil e até uma secretária da saúde que buscam
maneiras de lidar com suas comunidades atormentadas.
"Não precisa ser médico para
tratar do sofrimento", dizia.
A terapia, explicava Barreto
ao grupo, não substitui psicoterapias nem o trabalho dos psiquiatras, mas pode ser complementar em tratamentos médicos e psicológicos. O foco não
são doenças, mas sofrimentos.
"Nosso trabalho é construir
vínculos, não dar remédios."
Barreto preparou no ano passado avaliação de impacto da
terapia a pedido do ex-ministro
da Saúde Humberto Costa. Os
dados apontam que efetivamente houve aumento da "base
de apoio" dos participantes e
também da qualidade de relacionamentos que já existiam,
afirma. Mas o ministro caiu e a
avaliação não chegou à pasta.
O ministério informou apenas reconhecer o método de
Barreto e que os gestores têm
liberdade para adotá-lo ou não
na rede básica de saúde, assim
como para implementar outros
tipos de terapia.
O psiquiatra diz ter encaminhado dados também aos conselhos federais de Medicina e
Psicologia, mas esses informaram que não os receberam.
Secretarias da Saúde, como a
de São Paulo, que começou a
treinar terapeutas em 2003,
descrevem a iniciativa como
instrumento que "vem somar
com a promoção de saúde".
"Por mais que se tenha psiquiatra, remédio, você não dá
conta do problema da saúde
mental. A terapia é uma possibilidade de trabalhar com as
comunidades, filtrar o que é
doença, o que tem de ser encaminhado [aos médicos e psicólogos] e aquilo que a comunidade tem recurso para resolver",
afirma a secretária da Saúde de
Várzea Paulista, Maria do Carmo Carpintéro, que participava
do curso de Barreto.
A secretária e os colegas foram ao Pirambu, onde tudo começou, ver a terapia em ação.
Maria de Sena Lima, 64, é
uma das que foram buscar ajuda para os dias sofridos com o
marido doente. Ouviu as histórias de Olga, de Isa, de Karen,
que também sofrem e sofreram
com parentes doentes mentais.
"Nunca assisti a esse negócio
bonito. Estava estressada", disse Maria. "Me sinto leve, os
problemas diminuíram", afirmou o pintor Ednaldo Teixeira,
40, que também acompanhava
tudo e cuja preocupação era o
aluguel vencido.
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