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LETRAS JURÍDICAS
Mazelas e pessimismo no Brasil
WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS
O suicídio de Getúlio Vargas, em 24 de agosto de 1954,
coincidiu com meu último ano no
curso de direito, na velha academia do Largo de São Francisco.
Naquela manhã, há 46 anos, era
meu turno de locutor na rádio
Gazeta, cujo slogan era "emissora
de elite", pois privilegiava a música de concerto, com sofisticadíssimos programas. Li para os ouvintes a carta-testamento de Getúlio,
com adequada voz soturna, mas
também mergulhado em meu
próprio pessimismo e na dúvida
sobre o que o destino reservava ao
Brasil. E também a mim mesmo.
O país superaria a crise?
Em outro agosto, em 1961, eu
-procurador-geral da Justiça do
Distrito Federal- chegava no
dia 25 ao Ministério da Justiça,
em Brasília, quando o ministro
Oscar Pedroso Horta saiu para levar outra carta, a da renúncia de
Jânio Quadros, ao Congresso Nacional, então presidido por Auro
Soares de Moura Andrade. Foi
um turbilhão, com dúvidas sobre
o que o destino reservava para o
Brasil, depois das esperanças que
Jânio despertara, recebendo votação extraordinária para o tempo.
O país superaria a crise?
Nesses dois momentos da história, houve justos motivos para duvidar das condições de sobrevivência ordeira deste país, com políticos sérios que o levassem ao
progresso, à superação de suas dificuldades.
A turma de 1955 da Faculdade
de Direito foi paraninfada pelo
professor Basileu Garcia três anos
depois de sua aposentadoria, em
demonstração eloquente do prestígio do mestre. Do discurso que
ele então pronunciou, tenho uma
cópia, que me foi dada pelo advogado Pedro Cornacchione, da
qual extraio dois trechos impressionantes. Disse Basileu, dando a
visão dominante daquele período: "as mazelas que infelicitam a
nossa pátria, as deturpações do
regime democrático, o êxito prodigioso dos maus, a miséria excessiva dos desprotegidos, vergonhosa para as elites, o tripúdio sobre
as ilusões dos humildes pelo acúmulo de descalabros cada vez
mais alarmantes são derrotas infligidas ao espírito jurídico, ao Direito, que representamos, o qual é
harmonia e disciplina".
Mais adiante, a contundência
do mestre agravou-se: "Mas, numa época em que os representantes do povo, que deveriam ser os
porta-vozes das aspirações legítimas, tripudiam sobre as prerrogativas do poder a que foram levados, tentando suprimir-lhe a liberdade de crítica, dão o exemplo
de insensibilidade ante o infortúnio dos pequeninos, satisfazendo
preferencialmente os seus próprios apetites à custa dos depauperados Orçamentos nacionais, e
querem rodar em luxuosas limusines pela rua da amargura em
que reside o desconforto dos seus
representados, convenhamos que
a estrela do Direito empalidece
em face do surto ofuscante da ilegalidade e da anarquia".
Tudo quanto se extrai dessas
palavras parece atualíssimo.
Olhando deste começo dos anos
2000 para o passado, recordando
Basileu e minhas angústias de jovem pai e estudante de 1954, de
aflito procurador-geral de 1961,
de cidadão preocupado com o sacrifício da democracia a partir de
1964, acabei chegando ao resultado oposto. Pus o pessimismo de
lado.
O Direito brasileiro anda confuso, a adequação da vida ao progresso material e à globalização
parece cada vez mais complicada.
Os riscos da violência são intensos. Porém quero concluir, dizendo ao leitor que já tive sustos
maiores quanto à vida do país.
Muito maiores. Os de hoje, com a
imperfeição das leis e de sua aplicação, com os escândalos instantâneos da comunicação social,
são relativamente pequenos. O
tempo atual sempre parece pior
para quem o vive.
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