São Paulo, sexta, 2 de outubro de 1998

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Direitos de C.B.S. são ignorados, diz OAB

AURELIANO BIANCARELLI
da Reportagem Local

A família da menina C.B.S. tem o direito de pedir na Justiça indenização por danos morais contra todos que estão interferindo no seu direito legal de decidir se faz ou não o aborto. A começar pelos representantes locais do Ministério Público e da Igreja Católica.
A afirmação é de Lais Amaral Rezende de Andrade, presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB, Ordem dos Advogados do Brasil, seção São Paulo.
Entre o momento em que se soube que C.B.S estava grávida de múltiplos estupros até a hora em que a Justiça confirmou o aborto, passaram-se quase dois meses. Se as autoridades tivessem respeitado o artigo 128 do Código Penal, que é de 1940, teriam informado à família que não há necessidade de alvará. A demora aumentou o desespero da família, pode tornar impossível o aborto legal e está pondo a vida de C.B.S. em perigo.
"É preciso deixar claro que, no caso dessa menina, não havia necessidade de uma decisão da Justiça", afirma a professora Silvia Pimentel, da Faculdade de Direito da PUC-SP e da Comissão de Cidadania e Reprodução. Promotor, juiz e advogado agiram como se não soubessem disso.
Pode-se argumentar que a Justiça agiu dentro do bom senso, mas o promotor da cidade, Reuder Cavalcanti, emperrou o processo ao entrar com um "recurso ilegal". "Ao contrário do que fez, o Ministério Público deveria estar atuando em defesa da dignidade e da privacidade da menina, preservando seu direito de decidir com os pais", afirma Lais de Andrade.
Enquanto representantes da igreja promovem vigílias e não deixam a família dormir, o Ministério da Saúde se mantém calado. Uma simples portaria desse ministério, aguardada há anos, poderia regulamentar o aborto legal nos serviços públicos de saúde. Teria poupado parte do sofrimento das centenas de C.B.Ss que passam pela mesma violência. "Que país é esse que precisa de um programa sensacionalista de TV para pagar um aborto reconhecido na lei?", pergunta Jacira Melo, da Rede Nacional Feminista de Saúde.
A tragédia de C.B.S. é o retrato quase cotidiano da miséria e da desinformação. Para esse nível do "porão", não existem direitos, afirmam representantes das instituições ouvidas.
"Os pobres e desinformados estão sujeitos às pressões daqueles que tem a informação e a manipulam segundo seus interesses", afirma Silvia Pimentel.
Os que sabiam dos direitos de C.B.S. silenciaram ou contaram sua "própria verdade". "Ao tentar impedir o aborto, os religiosos estão desrespeitando a dignidade da pessoa definida na Constituição", diz Silvia Pimentel.
A família de C.B.S. vive com R$ 90,00 por mês. O pai está desempregado e a mãe virou cozinheira. Estão agora ameaçados de perder a única referência que restou, o lugar em que moram. Manoel Batista Souza, o pai, disse que a vida na pequena Israelândia ficou insuportável. "Eles já são tão pobres, são tão despossuídos, e agora nem sabem se poderão voltar para lá", afirma Silvia. "Como é possível pressionar alguém a esse ponto? Estão ferindo os direitos e garantias dessa família."
Os grupos feministas optaram por não fazer uma pressão contrária. "Oferecemos solidariedade e informação. O momento não é de pressão, mas de cuidados, de delicadeza", afirma Jacira Melo. As feministas, no entanto, estão se perguntando como agir diante dos casos das C.B.S. que se multiplicam. Pois enquanto elas oferecem solidariedade, a igreja está oferecendo cesta básica e os Ratinhos estão dando passagem de avião e apartamento em hotel cinco estrelas. Acabam levando.



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