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São Paulo, domingo, 02 de novembro de 2003

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TRANSPORTE

Linhas que circulam de madrugada em São Paulo têm poucos veículos, muita demora, lotação e trajetos longos

Ônibus noturno é martírio para passageiro

GIBA BERGAMIM JR.
DO "AGORA"

Enquanto a maior parte da população dorme, eles se espremem em um ônibus que cruzará a capital paulista rumo à periferia. Trabalhadores da noite, usuários de linhas de ônibus da madrugada enfrentam testes de paciência e resistência diários. Os veículos, precários, em número reduzido e apelidados de "negreiros", resumem a ainda triste situação do transporte público da 0h às 5h na cidade de São Paulo.
Para acompanhar de perto a situação desses passageiros, a reportagem fez, por seis noites, viagens em linhas de ônibus (das 23h às 5h) na capital e na Grande São Paulo. Sofrimento é a palavra mais vezes citada pelos passageiros, que contabilizam problemas e despejam reclamações.
A reportagem viajou em 11 linhas de ônibus -que fazem conexões entre o centro e a periferia e a Grande São Paulo- e avaliou a lotação, o tempo de espera e a segurança. Parte das linhas não foi poupada em nenhuma das situações avaliadas, o que reflete a precariedade do sistema.

Negreiro
Nada supera as linhas de ônibus que ligam o centro à zona leste. As sete horas de trabalho como segurança em uma casa de shows de Moema (bairro nobre da zona sul) parecem moleza perto do que enfrentam os amigos Jeferson Bonfim dos Santos, 20, e Walmir Calegari, 27, na linha 3310 (Praça da República-Cidade Tiradentes).
"Aqui todo mundo sofre, o motorista, o cobrador e o passageiro. É lotação, trajeto de quase duas horas e meia e muito desrespeito", diz Santos, que embarca às 2h05 e só desce do veículo às 4h20, no ponto final. Antes de pegar o ônibus, às 2h05, os dois amigos usam uma lotação clandestina de Moema até o centro da cidade.
A longa viagem tem explicação: o ônibus passa por todos os conjuntos habitacionais de Cidade Tiradentes, uma das áreas mais pobres da cidade. Mas a lotação não é o único problema. "De sexta, você mal consegue entrar no ônibus. Se conseguir, ainda vai ter que aguentar o povo urinando aqui dentro. Acredite", diz o cobrador Airton Domingos, 37.
A 3310, cujo trajeto tem 100,8 km, é uma das linhas cujos ônibus foram apelidados de "negreiros". Há algumas teses para o apelido. Segundo motoristas de ônibus, "é porque a linha circula à noite". Para passageiros, é uma comparação com os navios negreiros, que, durante a escravidão negra, cruzavam continentes -da África para a Europa- com escravos.
"Este é o ônibus do [líder nazista Adolf] Hitler", criticou o garçom Davi Afonso da Silva, 32, ao fazer uma comparação exagerada do veículo com os trens que levavam judeus para campos de concentração na 2ª Guerra Mundial.
Na linha 501M, que liga a praça da Sé à Vila Clara (zona sul), o problema é a falta de ônibus. "Se a gente perde o da 1h, só vamos pegar outro às 2h20. O que ajuda são as peruas [clandestinas] que às vezes aparecem", diz o porteiro Alex Sandro Rosa Santos, 24, que mora no Jabaquara e também cita a quebra constante dos veículos.
Outra criticada é a linha 393C, circular que conecta o centro e Itaquera, na zona leste. "Precisa de mais ônibus. A gente entra na praça da República. Chega na Sé e já está lotado", diz o motorista Vando dos Santos, 25.
Situação inversa vive a linha 696-P (República-Pinheiros). A rota oferece um veículo novo e confortável, mas circula vazia.



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