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URBANIDADE
Vincenzo Scarpellini
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PREPARATIVOS Nos "Caprichos" de Goya, gravura após gravura, o grotesco prepara o sublime. Nas notas dos "Caprichos" de Paganini, o sofrimento prepara a sensualidade. Células tumorais são, no fundo, células caprichosas, mas estes caprichos equivalem a outras tantas sentenças. Marisa Magani teve o estômago confiscado. Desde então o marido, Roberto, prepara as refeições dela.(VINCENZO SCARPELLINI)
Arte concreta
GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA
A ilustração publicada
hoje nesta coluna faz parte
de uma dupla experiência do designer e ilustrador Vincenzo
Scarpellini. Profissionalmente,
ele se preocupa em transformar
em arte o cotidiano das vítimas
de câncer. "Procuro extrair a beleza da dor." Pessoalmente, está
usando a arte para aprender a
lidar com sua própria dor, enquanto freqüenta sessões de quimioterapia e aguarda o dia em
que extirpem seu estômago.
Designer formado na Itália,
Vincenzo é co-autor desde o início da coluna "Urbanidade", cujo principal ângulo é mostrar
uma São Paulo que, apesar da
epidemia dos mais variados tipos de violência, resiste muitas
vezes em pequenos gestos de personagens anônimos. De repente,
ele próprio se viu personagem
anônimo num hospital, obrigado a aprender a resistir.
Vincenzo emagrecia há vários
meses, mas estava tranqüilo.
Afinal, seguidos diagnósticos indicavam que tudo não passava
de uma gastrite. Os remédios pareciam não fazer efeito. Perdeu
12 quilos. Até que um professor
da faculdade de medicina da
Santa Casa -Antônio Gonçalves- desconfiou de algo mais
grave. Estava certo. "Venho de
uma família em que a palavra
câncer nem sequer era mencionada", recorda-se Vincenzo.
Iniciou o tratamento quimioterápico, a fim de se preparar para a retirada do estômago. "Sei
que é um chavão, mas a gente
sempre imagina que isso só
acontece com os outros."
Depois do baque psicológico e
dos dias de pressão, ele preferiu
não se esconder. "Falar é um jeito de enfrentar a doença." Decidiu ir além das palavras. Freqüentando o cotidiano das vítimas de câncer, ao receber os medicamentos no hospital, entrou
em uma dimensão que lhe era
desconhecida. "É um mundo paralelo, quase invisível." Vincenzo -que, muitas vezes, desenha
personagens anônimos- preferiu não se render à invisibilidade
da doença. "Desenhar é a minha
forma de reagir e aprender com
a dor."
Aprendeu que a dor ensina
pouco. O que ensina mesmo, de
acordo com ele, é a luta pela sobrevivência. "É a vontade de seguir em frente que mostra os
nossos limites." Encontrou, nessa descoberta, a beleza estética
na resistência, por exemplo, em
um marido que estudou culinária para cozinhar pratos especiais para sua mulher cujo estômago foi arrancado -esse é o
casal que aparece ao lado.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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