São Paulo, quinta-feira, 02 de novembro de 2006

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Atrasos fazem o tempo "parar" em Congonhas

Apesar da aglomeração, passageiros pareciam conformados com a longa espera

Delegacia do aeroporto não registrou nenhuma ocorrência ontem; posto médico atendeu apenas três casos de rotina


LAURA CAPRIGLIONE
REGIANE SOARES
DA REPORTAGEM LOCAL

Entrada do saguão de embarque do aeroporto de Congonhas, em São Paulo: meia centena de pessoas estão paradas, os olhos postos em duas televisões de plasma com a programação dos vôos. A cena até parece normal, mas não é.
Na tela, o vôo Gol para Belo Horizonte planejado para as 15h50 aparece às 19h30 como confirmado para o horário das 15h50 -mas o avião ainda está em terra. O vôo das 17h25 para o Rio de Janeiro pede (às 19h30) embarque imediato, como se esse embarque estivesse acontecendo pontualmente às 17h25. O tempo ficou louco em Congonhas. A maioria dos vôos está atrasada, mas, surpresa, reina uma calma estranha e fatalista no ambiente. Todos sabem que, se não estão atrasados, ficarão. E que não há nada que se possa fazer.
O aeroporto passou o dia lotado. Ao feriado, que fez aumentar em 10% o número de vôos (de 630 para 693), com o conseqüente aumento de gente embarcando e desembarcando, somou-se o atraso imposto a decolagens e aterrissagens pela operação-padrão dos controladores de vôo. A bagunça já grande piorou com a chuvarada que despencou sobre São Paulo às 16h20 e que fechou o aeroporto por 25 minutos.
A soma de todos esses fatores implicou atrasos de duas a três horas em média. Mas houve casos de passageiros que marcaram seis horas de retardo. Foi o que aconteceu com os ocupantes do vôo Gol proveniente de Macapá, com escalas em Belém e Brasília. A chegada estava prevista para as 8h30, mas o avião só aterrissou às 14h15 em Congonhas. Ruim? Os passageiros ainda tiveram de esperar por mais uma hora até conseguir resgatar a bagagem.
No check-in da Gol, como se os problemas não bastassem, o final do dia foi marcado por um problema no sistema de informática -para confirmar uma única informação, levava de um a três minutos. Resultado: o saguão tornou-se intransitável, a fila única estendendo-se por 60 metros que insistiam em não andar. E, como era um retrato perfeito do caos, as câmaras de TV, iluminação e técnicos ajudaram a congestionar ainda mais o ambiente.
O professor de engenharia mecânica Alisson Rocha Machado, da Universidade Federal de Uberlândia, esperava embarcar às 14h40. Três horas depois do programado, ele tomava café com dois colegas no bar do aeroporto, sem previsão de quando voaria. Bem humorado, disse que não pensava em processar ninguém pela perda de tempo: "A gente [os docentes das federais] também faz greves bem demoradas".
A farmacêutica Maria Inez Poletto, de Belo Horizonte, tinha vôo marcado para as 17h57. Já sabia que o prazo não seria cumprido, mas tudo bem: "Está na hora de resolver a situação dos controladores. Eles tomaram um susto com o acidente da Gol e resolveram só cuidar dos vôos que de fato conseguem controlar. Isso é bom".
A Infraero diz que, até as 18h, 278 vôos tinham se atrasado. Mas o critério dela é tolerante: só considera atrasados os vôos retardados por mais de 40 minutos. Às 17h55, a dificuldade era entender o que significava a linguagem cifrada dos painéis de avisos. De 25 vôos arrolados no painel, um estava em "embarque imediato", dois constavam como "confirmados". Em oito, os passageiros eram orientados: "procure a companhia". Catorze vinham com a evasiva: vôo "a confirmar".
A maioria das pessoas, ao fazer o check-in, por via das dúvidas, já se dirigia à sala de embarque que, por isso, ficou lotada. O jornalista Cadu Cortez, que tinha passagem marcada para Brasília às 17h20 e até as 20h não havia embarcado, contou que, na lanchonete, a comida havia acabado. Que não existia mais lugar para sentar. Que o ar-condicionado não dava conta de refrigerar o excesso de calor humano.
"Por causa do reposicionamento de aeronaves, o vôo X foi transferido para o portão Y", era um aviso recorrente segundo o jornalista, o que obrigou os passageiros a pequenas maratonas entre andares e alas do aeroporto, depois da longa espera. "Mas está todo mundo calmo, conformado", disse.
"Se tivesse acontecido alguma desinteligência, teria vindo parar aqui -com certeza. E não veio", contou o policial da delegacia do aeroporto. Segundo ele, os policiais civis não registraram nenhuma ocorrência ontem. "Nenhuma briga, nenhuma desinteligência. Nenhum roubo de laptop. Nada."
No Posto de Primeiros Socorros do aeroporto, a enfermeira batia papo com um colega. Só três casos, de pressão alta, foram atendidos -o normal de todo dia. "Gente que esqueceu de tomar o remédio, sabe? É um milagre essa capacidade humana de se adaptar a qualquer circunstância, não é?"


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