São Paulo, segunda, 2 de novembro de 1998

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EDUCAÇÃO
Ex-menino de rua, promotor de Paripiranga (BA) ameaça processar pai que não matricula filho em escola
Promotor intimida pais e zera evasão
Fotos Leonardo Colosso/Folha Imagem
Crianças na janela de escola Franscisco de Paula Abreu


LUIZ FRANCISCO
da Agência Folha

em Paripiranga (BA) A decisão de um promotor de processar todos os pais que têm filhos entre 5 e 14 anos fora das salas de aula está provocando uma verdadeira revolução educacional em Paripiranga, cidade baiana na divisa com Sergipe.
Crianças e adolescentes que antes perambulavam pelas ruas de Paripiranga (349 km de Salvador) pedindo esmolas ou que trabalhavam na lavoura para ajudar no orçamento familiar trocaram as enxadas pelos livros e cadernos.
Desde que o promotor Gildásio Rizério de Amorim, 43, ameaçou colocar na cadeia os pais por "abandono intelectual" (crime previsto no artigo 246 do Código Penal), o índice de matrículas no ensino fundamental (1ª à 8ª série) em Paripiranga cresceu 197% -de 1.803 (96) para 5.367 (98).
"Todas as crianças de Paripiranga em idade escolar estão matriculadas e frequentando as aulas regularmente", disse a secretária de Educação, Maria Sali, 32.
Amorim conta com uma "rede de espiões" para notificar os pais que não matriculam seus filhos. "Além dos comissários de menores que visitam todas as casas do município duas vezes por mês, eu tenho a ajuda de mais cinco informantes", declarou.
Inicialmente, os pais que têm filhos fora da escola são intimados para dar explicações ao promotor. Policiais se encarregam de buscar os que resistem à intimação.
"Os pais matriculam seus filhos imediatamente quando explico que podem ser presos", disse o promotor. O crime de abandono intelectual prevê prisão de 15 dias a um mês ou pagamento de multa.
A obstinação do promotor pela educação é reflexo de sua própria infância. Até os 10 anos, Amorim era analfabeto e vivia nas ruas de Goiânia (GO). Recolhido pelo Juizado de Menores por comportamento inadequado, Amorim foi matriculado em uma escola pública. "Logo percebi que se continuasse morando na rua eu iria me transformar em um marginal."
Somente neste ano, o promotor já notificou 197 pais que tinham filhos com até 14 anos fora da escola. "Fiquei com medo de ser preso e resolvi matricular meus três filhos maiores", disse o agricultor João Manoel dos Santos, 39.
Nos primeiros meses, a iniciativa do promotor trouxe problemas para a Prefeitura de Paripiranga.
"Não tínhamos carteiras, mesas e salas suficientes para abrigar todos os alunos", disse a secretária Maria Sali. "A prefeitura ampliou as escolas e o Estado repassou ao município carteiras e mesas."
Funcionando em três turnos (à noite, apenas para alfabetização de adultos), as 52 escolas públicas de Paripiranga mantêm, em média, 25 alunos em cada sala.
"Tenho certeza que, no futuro, as crianças e adolescentes de Paripiranga não vão se arrepender por ter estudado. Só lamento a omissão de quase todos os promotores que não dedicam atenção especial à educação", disse Amorim.



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