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GOVERNO DO PT
Almoxarifado central da Secretaria da Saúde também está sem 78% do material odontológico
56% dos medicamentos estão em falta
AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL
Mais da metade dos medicamentos -de analgésicos como
dipirona e aspirina a antibióticos
e corticóides essenciais- está em
falta no almoxarifado central da
Secretaria Municipal da Saúde.
Metade do material médico-hospitalar e 78% do material
odontológico estão com estoque
zerado. Faltam luvas, nebulizadores e fios de sutura. Os itens que
restam acabam em duas semanas.
Esse é o quadro encontrado por
Eduardo Jorge na sua primeira visita como novo secretário da Saúde do município. À tarde, na cerimônia de posse, Jorge disse que
vai precisar de pelo menos dez
dias para repor os estoques, a um
custo de R$ 18 milhões.
Disse também que a secretaria
vai pagar as cooperativas em dia,
a partir de janeiro, mas que a dívida de dezembro -de R$ 40 milhões- "terá que ser negociada".
Na posse, acompanhada por
mais de 200 pessoas, o secretário
lembrou as principais metas de
sua administração: dividir a cidade em 40 distritos de saúde, oferecer autonomia e agilidade administrativa aos 16 hospitais municipais, apressar a municipalização e
agilizar a implantação do Programa Saúde da Família.
Na semana passada, em entrevista à Folha, Eduardo Jorge detalhou cada uma das suas propostas. Desde que aceitou o posto, 25
dias úteis atrás, o secretário vem
realizando encontros com os personagens envolvidos na saúde da
cidade -do secretário de Estado
da Saúde à militância petista, passando pela direção dos grandes
hospitais e pelos "exilados" do
PAS, o programa cooperado criado por Paulo Maluf.
Sua primeira missão está sendo
pacificar os dois grupos em que a
secretaria se dividiu: os que aderiram ao PAS e os que não aderiram. Tarefa não muito complicada para quem, na Câmara Federal, era um dos líderes do "bloco
da saúde", que congrega parlamentares de todas as correntes.
Pai de seis filhos, 51 anos, esse
médico sanitarista baiano costuma dizer que a política de saúde
não deve ser o programa de um
partido, mas o resultado de um
pacto nacional.
Abaixo, trechos da entrevista.
Folha - Como deputado, o senhor
vem trabalhando com um bloco de
deputados de várias correntes. É
possível adotar a mesma filosofia à
frente de uma secretaria?
Eduardo Jorge - Para mim, é
uma questão filosófica: o Brasil
precisa ter políticas nacionais de
Estado, que sejam objeto de pactos nacionais setoriais, e não políticas meramente de governo.
O país precisa de políticas que
atravessem governos, que não
mudem com a mudança dos administradores. Precisamos de
pactos nacionais que incluam representantes de todos os partidos,
da esquerda aos conservadores.
Minha experiência em Brasília,
no caso da saúde, tem mostrado
que isso é possível. Primeiro, a
gente tem uma política nacional
que é constitucional, não deste ou
daquele governo, o que é um ponto privilegiado para estabelecer
uma experiência de pacto setorial
nacional. O SUS, com sua definição constitucional, permitiu que
formássemos uma frente parlamentar sólida, que atravessou todos esses anos, com gente do PT,
PFL, PTB, PPB, PSDB, PMDB. Essa frente é que tem dado respaldo
aos ministros da saúde que optaram por trabalhar pelo SUS.
A viabilização da emenda constitucional da saúde, que dá à área
uma proteção orçamentária, só
foi possível com esse bloco.
O PT, do meu ponto de vista,
não tem que inventar um programa de saúde. Costumo dizer que
o PT não tem programa próprio
para a saúde, o PT defende o programa constitucional, que é o Sistema Único de Saúde.
Isso vai permitir trabalhar em
estreita aliança com o governo do
Estado e com o ministro José Serra, no sentido de viabilizar o pacto
nacional setorial.
Folha - Esse entendimento é possível dentro da Câmara Municipal,
com os resquícios do malufismo?
Jorge - A Associação Paulista de
Medicina, junto com outras entidades médicas, está se propondo
a ser uma espécie de catalisadora
aqui na Câmara Municipal de
uma frente parecida com aquela
que temos em Brasília.
São Paulo sofreu uma overdose
de política partidária nos últimos
oito anos, com clientelismo e nomeações políticas. Isso causou
uma desestruturação completa
do sistema de saúde. Agora, é preciso um afastamento dessa influência da política partidária.
Para combater o malufismo que
introduziu o vírus do clientelismo
na saúde, é necessário adotar uma
postura técnica. Pretendo trabalhar com a Câmara Municipal,
dialogando com todos os setores.
Não quero fazer uma administração de predomínio político partidário do meu partido. Quero seguir uma política constitucional,
seguir uma orientação mais técnica. Essa concepção filosófica, eu
insisto, vai ter uma influência
grande na pacificação do ambiente na Secretaria Municipal da Saúde e garantir perenidade à implantação do SUS em São Paulo.
Folha - Como será feita essa pacificação?
Jorge - A transição do PAS para
o SUS é uma determinação do
eleitorado, e esta tem sido a questão que mais vem me consumindo. O PAS é organizado por leis e
portarias, que implicam contratos, política de recursos humanos
específica etc. Você não pode, sob
pena de causar turbulência e prejuízos ao próprio cidadão, fazer
uma transição que não seja lenta,
paciente e tolerante.
Já me reuni com muitos trabalhadores que aderiram ao PAS e
tenho dito que a transição vai ser
assim, sem perseguição, sem revanchismo. É preciso separar
muito bem aqueles que simplesmente trabalharam no programa
e aqueles que cometeram irregularidades. Esses, a Marta vai determinar uma auditoria específica
para investigar. São uns 30, 40 dirigentes, sob os quais pesa um caminhão de denúncias. É uma
obrigação nossa investigar. Outra
coisa é o pessoal que trabalhou: se
era funcionário da secretaria, vai
poder continuar. Aqueles contratados externos vão passar por
processos seletivos.
Temos que fazer um processo
que não cause risco ao cidadão,
que não seja violento como foi a
implantação do PAS. Muita gente
ficou ressentida. Eu quero voltar a
colocar no mesmo plantão partidários do PAS junto com pessoas
que não participaram do PAS. É
uma pacificação necessária porque hoje a secretaria está totalmente esfacelada e dividida.
Folha - Como serão os primeiros
dias dessa transição?
Jorge - Já temos a lista de todos
os plantonistas que vão estar em
janeiro trabalhando, eles têm
obrigação ética de comparecer
aos plantões.
Além disso, desencadeamos outra via para garantir esse processo
de transição, que pode durar seis
ou sete meses, que é o contato
com a Secretaria de Estado da
Saúde, com o plantão controlador
a nível metropolitano e com os
grandes hospitais de retaguarda.
Defendo a criação de um consórcio metropolitano, com a participação dos vários municípios
da Grande São Paulo, da Secretaria de Estado da Saúde e dos quatro grandes hospitais, o das Clínicas, o São Paulo, o Santa Marcelina e a Santa Casa. Nesse consórcio, esse hospitais de referência
passarão a ter voto e voz.
A integração com esses hospitais tem um duplo efeito: maior
tranquilidade nos meses de transição e o início da municipalização, que é o retorno da cidade ao
processo de construção do SUS,
parado já há muitos anos.
Tem dois aspectos da municipalização que estamos vendo junto com a Secretaria de Estado da
Saúde. Este, dos grandes hospitais, a organização dos procedimentos mais complexos na Grande São Paulo. E a gestão da atenção básica, que já está sendo cuidada por um grupo de trabalho
que montamos com o secretário
José da Silva Guedes. Juntos, vamos definir a integração da rede
básica, estadual e municipal.
Na municipal, nós temos 170
unidades básicas, e o Estado tem
180. Há outros serviços que somam outras cem unidades ambulatoriais. Todo esse universo é a
chamada gestão da rede básica,
sem falar dos hospitais. A municipalização das unidades básicas será feita já no primeiro ano.
Folha - Qual a estratégia para essa megamunicipalização?
Jorge - Vamos dividir a cidade
em 40 distritos de saúde. Hoje nós
temos dez regionais, herança da
administração Erundina, e o Estado tem cinco regiões de saúde, na
capital. Vamos fundir esses 15 núcleos e criar 40 distritos de saúde,
cada um responsável por cerca de
250 mil habitantes. Em cada distrito haverá uma autoridade sanitária, uma espécie de secretário de
saúde local, responsável pela saúde daquele pedaço, pelas unidades básicas, pelo Programa Saúde
da Família, pelos ambulatórios...
Ao mesmo tempo, esse secretário
local fará o trânsito com o pessoal
da educação, das creches, com as
entidades populares. Esses distritos são compatíveis com as futuras prefeituras regionais.
Veja que nas duas pontas da
municipalização há uma sintonia
entre o governo do Estado e o município. Estamos abertos para que
o Estado sugira nomes para ficar à
frente desses distritos. Esses 40
chefes de distrito são os principais
executivos da municipalização
em São Paulo.
Folha - E os hospitais municipais,
como ficarão?
Jorge - São 16 na cidade, incluindo o do Servidor Público Municipal e dois outros que estão fora do
PAS. O que há de novo é que a
gente quer dar uma especificidade ao hospital, não deixá-lo submetido à direção do distrito. O
hospital tem vida própria, não fecha nunca, por isso exige uma especificidade administrativa. Ao
lado dos 40 executivos de distritos, esses 16 dirigentes de hospitais serão os executivos mais importantes da secretaria.
Não pretendemos adotar o modelo das organizações sociais,
criado pelo Estado, embora venha
dando bons resultados. Vamos
seguir outro caminho, que é o do
contrato de gestão negociado
com o próprio hospital público.
Trata-se de estabelecer metas de
qualidade e quantidade para um
hospital e cobrar dele resultados,
condicionar remunerações e prêmios a essas metas.
Para isso, o hospital terá maior
autonomia e agilidade administrativa, pois não pode esperar para substituir um neurocirurgião
ou para comprar um medicamento que está acabando.
Para isso estamos estudando a
implantação de uma nova estrutura de gestão sem abandonar a licitação e o concurso público.
Folha -E o Programa Saúde da Família?
Jorge - Considero um programa
revolucionário, o mais importante dentro do SUS. Em menos de
cinco anos já foram implantadas
10 mil equipes no Brasil, e São
Paulo, capital, ficou à margem
desse esforço. O Qualis já implantou 140 equipes, mas São Paulo
precisa de mil equipes, cada uma
cuidando de mil famílias, atendendo 5 milhões de pessoas.
É essa a área onde pretendemos
expandir os serviços. Porque o
Programa Saúde da Família cria o
vínculo da equipe com a população, você volta a ter face, volta a
ter um médico que conhece você,
conhece sua família. É um programa humanizador fantástico e que
de certa forma reorganiza a assistência médica no Brasil.
Para isso precisamos de recursos e do apoio dos governos federal e estadual. Já que ficamos à
margem desse processo tanto
tempo, queremos que nos mandem técnicos para podermos impor um ritmo mais forte na implantação desse programa.
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