São Paulo, quarta-feira, 03 de janeiro de 2001

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GOVERNO DO PT

Almoxarifado central da Secretaria da Saúde também está sem 78% do material odontológico

56% dos medicamentos estão em falta

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Mais da metade dos medicamentos -de analgésicos como dipirona e aspirina a antibióticos e corticóides essenciais- está em falta no almoxarifado central da Secretaria Municipal da Saúde.
Metade do material médico-hospitalar e 78% do material odontológico estão com estoque zerado. Faltam luvas, nebulizadores e fios de sutura. Os itens que restam acabam em duas semanas.
Esse é o quadro encontrado por Eduardo Jorge na sua primeira visita como novo secretário da Saúde do município. À tarde, na cerimônia de posse, Jorge disse que vai precisar de pelo menos dez dias para repor os estoques, a um custo de R$ 18 milhões.
Disse também que a secretaria vai pagar as cooperativas em dia, a partir de janeiro, mas que a dívida de dezembro -de R$ 40 milhões- "terá que ser negociada".
Na posse, acompanhada por mais de 200 pessoas, o secretário lembrou as principais metas de sua administração: dividir a cidade em 40 distritos de saúde, oferecer autonomia e agilidade administrativa aos 16 hospitais municipais, apressar a municipalização e agilizar a implantação do Programa Saúde da Família.
Na semana passada, em entrevista à Folha, Eduardo Jorge detalhou cada uma das suas propostas. Desde que aceitou o posto, 25 dias úteis atrás, o secretário vem realizando encontros com os personagens envolvidos na saúde da cidade -do secretário de Estado da Saúde à militância petista, passando pela direção dos grandes hospitais e pelos "exilados" do PAS, o programa cooperado criado por Paulo Maluf.
Sua primeira missão está sendo pacificar os dois grupos em que a secretaria se dividiu: os que aderiram ao PAS e os que não aderiram. Tarefa não muito complicada para quem, na Câmara Federal, era um dos líderes do "bloco da saúde", que congrega parlamentares de todas as correntes.
Pai de seis filhos, 51 anos, esse médico sanitarista baiano costuma dizer que a política de saúde não deve ser o programa de um partido, mas o resultado de um pacto nacional.
Abaixo, trechos da entrevista.

Folha - Como deputado, o senhor vem trabalhando com um bloco de deputados de várias correntes. É possível adotar a mesma filosofia à frente de uma secretaria?
Eduardo Jorge -
Para mim, é uma questão filosófica: o Brasil precisa ter políticas nacionais de Estado, que sejam objeto de pactos nacionais setoriais, e não políticas meramente de governo.
O país precisa de políticas que atravessem governos, que não mudem com a mudança dos administradores. Precisamos de pactos nacionais que incluam representantes de todos os partidos, da esquerda aos conservadores.
Minha experiência em Brasília, no caso da saúde, tem mostrado que isso é possível. Primeiro, a gente tem uma política nacional que é constitucional, não deste ou daquele governo, o que é um ponto privilegiado para estabelecer uma experiência de pacto setorial nacional. O SUS, com sua definição constitucional, permitiu que formássemos uma frente parlamentar sólida, que atravessou todos esses anos, com gente do PT, PFL, PTB, PPB, PSDB, PMDB. Essa frente é que tem dado respaldo aos ministros da saúde que optaram por trabalhar pelo SUS.
A viabilização da emenda constitucional da saúde, que dá à área uma proteção orçamentária, só foi possível com esse bloco.
O PT, do meu ponto de vista, não tem que inventar um programa de saúde. Costumo dizer que o PT não tem programa próprio para a saúde, o PT defende o programa constitucional, que é o Sistema Único de Saúde.
Isso vai permitir trabalhar em estreita aliança com o governo do Estado e com o ministro José Serra, no sentido de viabilizar o pacto nacional setorial.

Folha - Esse entendimento é possível dentro da Câmara Municipal, com os resquícios do malufismo?
Jorge -
A Associação Paulista de Medicina, junto com outras entidades médicas, está se propondo a ser uma espécie de catalisadora aqui na Câmara Municipal de uma frente parecida com aquela que temos em Brasília.
São Paulo sofreu uma overdose de política partidária nos últimos oito anos, com clientelismo e nomeações políticas. Isso causou uma desestruturação completa do sistema de saúde. Agora, é preciso um afastamento dessa influência da política partidária.
Para combater o malufismo que introduziu o vírus do clientelismo na saúde, é necessário adotar uma postura técnica. Pretendo trabalhar com a Câmara Municipal, dialogando com todos os setores. Não quero fazer uma administração de predomínio político partidário do meu partido. Quero seguir uma política constitucional, seguir uma orientação mais técnica. Essa concepção filosófica, eu insisto, vai ter uma influência grande na pacificação do ambiente na Secretaria Municipal da Saúde e garantir perenidade à implantação do SUS em São Paulo.

Folha - Como será feita essa pacificação?
Jorge -
A transição do PAS para o SUS é uma determinação do eleitorado, e esta tem sido a questão que mais vem me consumindo. O PAS é organizado por leis e portarias, que implicam contratos, política de recursos humanos específica etc. Você não pode, sob pena de causar turbulência e prejuízos ao próprio cidadão, fazer uma transição que não seja lenta, paciente e tolerante.
Já me reuni com muitos trabalhadores que aderiram ao PAS e tenho dito que a transição vai ser assim, sem perseguição, sem revanchismo. É preciso separar muito bem aqueles que simplesmente trabalharam no programa e aqueles que cometeram irregularidades. Esses, a Marta vai determinar uma auditoria específica para investigar. São uns 30, 40 dirigentes, sob os quais pesa um caminhão de denúncias. É uma obrigação nossa investigar. Outra coisa é o pessoal que trabalhou: se era funcionário da secretaria, vai poder continuar. Aqueles contratados externos vão passar por processos seletivos.
Temos que fazer um processo que não cause risco ao cidadão, que não seja violento como foi a implantação do PAS. Muita gente ficou ressentida. Eu quero voltar a colocar no mesmo plantão partidários do PAS junto com pessoas que não participaram do PAS. É uma pacificação necessária porque hoje a secretaria está totalmente esfacelada e dividida.

Folha - Como serão os primeiros dias dessa transição?
Jorge -
Já temos a lista de todos os plantonistas que vão estar em janeiro trabalhando, eles têm obrigação ética de comparecer aos plantões.
Além disso, desencadeamos outra via para garantir esse processo de transição, que pode durar seis ou sete meses, que é o contato com a Secretaria de Estado da Saúde, com o plantão controlador a nível metropolitano e com os grandes hospitais de retaguarda.
Defendo a criação de um consórcio metropolitano, com a participação dos vários municípios da Grande São Paulo, da Secretaria de Estado da Saúde e dos quatro grandes hospitais, o das Clínicas, o São Paulo, o Santa Marcelina e a Santa Casa. Nesse consórcio, esse hospitais de referência passarão a ter voto e voz.
A integração com esses hospitais tem um duplo efeito: maior tranquilidade nos meses de transição e o início da municipalização, que é o retorno da cidade ao processo de construção do SUS, parado já há muitos anos.
Tem dois aspectos da municipalização que estamos vendo junto com a Secretaria de Estado da Saúde. Este, dos grandes hospitais, a organização dos procedimentos mais complexos na Grande São Paulo. E a gestão da atenção básica, que já está sendo cuidada por um grupo de trabalho que montamos com o secretário José da Silva Guedes. Juntos, vamos definir a integração da rede básica, estadual e municipal.
Na municipal, nós temos 170 unidades básicas, e o Estado tem 180. Há outros serviços que somam outras cem unidades ambulatoriais. Todo esse universo é a chamada gestão da rede básica, sem falar dos hospitais. A municipalização das unidades básicas será feita já no primeiro ano.

Folha - Qual a estratégia para essa megamunicipalização?
Jorge -
Vamos dividir a cidade em 40 distritos de saúde. Hoje nós temos dez regionais, herança da administração Erundina, e o Estado tem cinco regiões de saúde, na capital. Vamos fundir esses 15 núcleos e criar 40 distritos de saúde, cada um responsável por cerca de 250 mil habitantes. Em cada distrito haverá uma autoridade sanitária, uma espécie de secretário de saúde local, responsável pela saúde daquele pedaço, pelas unidades básicas, pelo Programa Saúde da Família, pelos ambulatórios... Ao mesmo tempo, esse secretário local fará o trânsito com o pessoal da educação, das creches, com as entidades populares. Esses distritos são compatíveis com as futuras prefeituras regionais.
Veja que nas duas pontas da municipalização há uma sintonia entre o governo do Estado e o município. Estamos abertos para que o Estado sugira nomes para ficar à frente desses distritos. Esses 40 chefes de distrito são os principais executivos da municipalização em São Paulo.

Folha - E os hospitais municipais, como ficarão?
Jorge -
São 16 na cidade, incluindo o do Servidor Público Municipal e dois outros que estão fora do PAS. O que há de novo é que a gente quer dar uma especificidade ao hospital, não deixá-lo submetido à direção do distrito. O hospital tem vida própria, não fecha nunca, por isso exige uma especificidade administrativa. Ao lado dos 40 executivos de distritos, esses 16 dirigentes de hospitais serão os executivos mais importantes da secretaria.
Não pretendemos adotar o modelo das organizações sociais, criado pelo Estado, embora venha dando bons resultados. Vamos seguir outro caminho, que é o do contrato de gestão negociado com o próprio hospital público.
Trata-se de estabelecer metas de qualidade e quantidade para um hospital e cobrar dele resultados, condicionar remunerações e prêmios a essas metas.
Para isso, o hospital terá maior autonomia e agilidade administrativa, pois não pode esperar para substituir um neurocirurgião ou para comprar um medicamento que está acabando.
Para isso estamos estudando a implantação de uma nova estrutura de gestão sem abandonar a licitação e o concurso público.

Folha -E o Programa Saúde da Família?
Jorge -
Considero um programa revolucionário, o mais importante dentro do SUS. Em menos de cinco anos já foram implantadas 10 mil equipes no Brasil, e São Paulo, capital, ficou à margem desse esforço. O Qualis já implantou 140 equipes, mas São Paulo precisa de mil equipes, cada uma cuidando de mil famílias, atendendo 5 milhões de pessoas.
É essa a área onde pretendemos expandir os serviços. Porque o Programa Saúde da Família cria o vínculo da equipe com a população, você volta a ter face, volta a ter um médico que conhece você, conhece sua família. É um programa humanizador fantástico e que de certa forma reorganiza a assistência médica no Brasil.
Para isso precisamos de recursos e do apoio dos governos federal e estadual. Já que ficamos à margem desse processo tanto tempo, queremos que nos mandem técnicos para podermos impor um ritmo mais forte na implantação desse programa.


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