São Paulo, quinta-feira, 03 de janeiro de 2002

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PASQUALE CIPRO NETO

É grego, governador!

No último domingo , foi ao ar a participação de alguns de nossos políticos no "Show do Milhão", de Silvio Santos. Não vi o programa, mas soube pela imprensa e por alguns conhecidos que Maluf não perde o vício de achar que sabe o que não sabe, que Garotinho (para o qual Lula é capaz de confundir uma usina de tratamento de esgoto com uma fábrica de cimento) teve problemas com a composição da água, que César Borges não sabe o significado de "soteropolitano", adjetivo pátrio relativo à capital do Estado que governa...
Não me atrevo a analisar o desempenho de quem quer que seja nesse tipo de programa. Não sei se eu faria melhor, nem mesmo sei se aceitaria participar. Mas não resisto à tentação de dizer duas palavras sobre o fato de o governador da Bahia desconhecer o significado de "soteropolitano".
Imagino que o público tenha ficado frustrado nessa hora. A sensação deve ser semelhante à que tem o turista brasileiro que, em Cuba, descobre que na ilha de Fidel não existe o nosso "filé à cubana". Será que na Grécia se come o nosso arroz à grega?
E a expressão "sair à francesa", que aparece numa bela canção do repertório de Marina Lima ("Se eu saísse à francesa...")? Será que na França se sai à francesa? Antes que alguém pergunte, "sair à francesa" significa "sair de fininho", "sair sem se despedir".
Cabe aqui um breve comentário sobre o acento grave presente nas expressões "à cubana", "à grega" e "à francesa". Está subentendida a palavra "moda", que constitui a expressão "à moda", cujos correspondentes masculinos seriam "ao modo" ou "ao estilo" ("à moda francesa", "ao modo" ou "ao estilo francês").
Bem, voltando às frustrações, é bom citar a de quem vai à Itália e não encontra por lá nenhuma "cantina". Em italiano, "cantina" é o lugar da casa, geralmente no subsolo, em que se guardam bebidas e alimentos, ou (uso menos comum) o armazém em que se vende vinho a varejo.
Também ficam desapontados os papais e as mamães que vão à Itália com suas Paôlas (o acento é intencional) a tiracolo, na ânsia de encontrar suas "primas" por lá. Não encontram, porque na Itália não existe Paôla, nem umazinha sequer. Em italiano, lê-se "Páola" (o "a" é tônico e aberto).
Depois dessa conversa toda, não posso me esquecer do simpático governador da Bahia. Soube que ele usou a palavra "etimologia" quando disse desconhecer o significado de "soteropolitano". A etimologia, como se sabe, é a parte dos estudos linguísticos que trata da origem e da evolução histórica das palavras.
Permita-me, então, caro governador, explicar-lhe a etimologia de "soteropolitano", assunto de que tratei no ano passado, neste espaço. O termo vem de "Soterópolis", que é a "helenização do nome da cidade de Salvador", como diz o "Aurélio". Tradução: "sotérion", em grego, é "salvação"; "polis" é "cidade".
Vá lá que se viaje para a Itália e por lá não se encontrem Paôlas ou cantinas como as nossas, que se vá a Cuba e não se encontre filé à cubana, ou que se vá à Grécia e não se encontre arroz à grega. Mas que se converse com um baiano ilustre e não se descubra o que é "soteropolitano"... É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras

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