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Desinformação debilita combate ao crime
Sem um sistema efetivo de inteligência, organismos de segurança fracassam no controle de armas e explosivos e na proteção a testemunhas
ALESSANDRO SILVA
DA REPORTAGEM LOCAL
Como explicar o uso de armas
da Aeronáutica Argentina por criminosos brasileiros, a eliminação
de uma testemunha que denunciava esquemas de corrupção do
PCC em presídios de São Paulo e a
utilização de explosivos potentes,
controlados pelo Exército, em
planos de fugas de presos e atentados a policiais? A resposta: o poder paralelo do crime organizado.
Em comum, essas ações, realizadas em locais e datas diferentes
estão diretamente relacionadas a
falhas do poder público. As autoridades responsáveis por esses temas ou não sabiam dos fatos ou
os conheciam e não conseguiram
explicar como eles aconteceram,
por falta de investigação ou banco
de informações confiável. Ou seja,
por falta de um sistema coordenado de inteligência contra o crime.
""A informação, que é a matéria-prima dos organismos oficiais, é
muito maltratada", afirma o promotor José Carlos Blat, do Gaeco
(Grupo de Atuação Especial de
Repressão ao Crime Organizado).
Também não há controle efetivo do potencial arsenal que as
quadrilhas usam no dia-a-dia,
nem há controle da atuação dos líderes desses grupos, que, mesmo
detidos, continuam comandando
ações do lado de fora, como assaltos, tráfico de drogas e sequestros.
A rapidez com que o crime organizado avança no país parece
desproporcional à capacidade de
resposta dos órgãos do governo.
Para descobrir eventuais falhas no
combate a essa modalidade criminosa, a Folha pesquisou inquéritos, processos judiciais e ouviu
autoridades em três frentes: armas, explosivos e facções criminosas. As constatações foram as
seguintes:
Prisões
Primeiro, o Estado ainda não
desenvolveu mecanismos para
proteger presos que delatam o
funcionamento dos grupos criminosos de dentro das prisões.
Exemplo disso é o assassinato
do detento Edson Bezerra do Carmo, 35, na rebelião que destruiu a
Casa de Custódia de Taubaté, em
dezembro de 2000, liderada por
membros do PCC (Primeiro Comando da Capital), principal facção criminosa do Estado.
Carmo, também conhecido como Gigante, escreveu uma carta à
Corregedoria dos Presídios, três
meses antes de morrer, denunciando esquema de fuga e homicídios que envolveriam a facção.
Foi assassinado no motim liderado pelo PCC, com outros oito
detentos, antes que pudesse prestar depoimento. No meio dessa
história, houve uma falha na escolta, que impediu o detento de
ser ouvido pelo juiz-corregedor, e
outra na sindicância, que não
procurou saber os motivos dos
assassinatos dos nove detentos
-alguns dos quais foram decapitados e queimados.
Pelo medo, as facções edificam
uma redoma ao seu redor, impedindo o Estado de entrar e coagindo mais detentos a ingressar em
suas fileiras de ""associados".
Armas
Embora a lei brasileira tenha
criado o Sinarm (Sistema Nacional de Armas) em 97, com a finalidade de cadastrar as armas no
país -inclusive as apreendidas-, três submetralhadoras argentinas localizadas pela Folha ficaram de fora desse controle e
nunca geraram nenhum tipo de
investigação policial.
O caso não envolve armas comuns, importadas ilegalmente.
São três submetralhadoras com
número de patrimônio e brasão
da Aeronáutica Argentina,
apreendidas com diferentes grupos de assaltantes, em épocas e cidades diferentes de São Paulo.
Não houve investigação para saber como chegaram ao país e descobrir quem as vendeu para organizações criminosas. Essas armas
provocaram pelo menos duas vítimas fatais e dois feridos.
A polícia estadual não tem o hábito de investigar a origem dos armamentos que apreende com os
bandidos. O cadastro estadual
apresenta falhas -porque foi
criado gradualmente a partir de
95- e não alimenta a inteligência
policial para investigações.
Bombas
Um tipo de explosivo, da classe
dos que os terroristas usam, foi
incorporado ao arsenal do crime
nos últimos cinco anos. Em 2001,
houve três tentativas de fuga com
bombas em São Paulo. Outro plano foi descoberto na semana passada, em Diadema (Grande SP).
Um detento já morreu por causa
do poder de destruição de uma
bomba, e dois ficaram feridos.
Na quinta-feira passada, artefato semelhante foi encontrado embaixo do carro de um investigador, perto da sede da Polícia Civil,
em Santos, no litoral de São Paulo.
Por lei, o Exército regula o armazenamento, o comércio e o
transporte desse tipo de explosivo
para empresas, como pedreiras,
mas parece não ter precisão nesse
acompanhamento. Segundo o
Exército, os casos de roubo ou
furto de explosivos são reduzidos.
"Ocorreram um em 2000 e três
em 2001, sendo que nenhum em
SP." A Folha, porém, detectou
dois furtos no Estado no ano passado, a partir de investigações em
andamento na Polícia Civil.
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