São Paulo, domingo, 03 de fevereiro de 2002

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Desinformação debilita combate ao crime

Sem um sistema efetivo de inteligência, organismos de segurança fracassam no controle de armas e explosivos e na proteção a testemunhas

ALESSANDRO SILVA
DA REPORTAGEM LOCAL

Como explicar o uso de armas da Aeronáutica Argentina por criminosos brasileiros, a eliminação de uma testemunha que denunciava esquemas de corrupção do PCC em presídios de São Paulo e a utilização de explosivos potentes, controlados pelo Exército, em planos de fugas de presos e atentados a policiais? A resposta: o poder paralelo do crime organizado.
Em comum, essas ações, realizadas em locais e datas diferentes estão diretamente relacionadas a falhas do poder público. As autoridades responsáveis por esses temas ou não sabiam dos fatos ou os conheciam e não conseguiram explicar como eles aconteceram, por falta de investigação ou banco de informações confiável. Ou seja, por falta de um sistema coordenado de inteligência contra o crime.
""A informação, que é a matéria-prima dos organismos oficiais, é muito maltratada", afirma o promotor José Carlos Blat, do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado).
Também não há controle efetivo do potencial arsenal que as quadrilhas usam no dia-a-dia, nem há controle da atuação dos líderes desses grupos, que, mesmo detidos, continuam comandando ações do lado de fora, como assaltos, tráfico de drogas e sequestros.
A rapidez com que o crime organizado avança no país parece desproporcional à capacidade de resposta dos órgãos do governo. Para descobrir eventuais falhas no combate a essa modalidade criminosa, a Folha pesquisou inquéritos, processos judiciais e ouviu autoridades em três frentes: armas, explosivos e facções criminosas. As constatações foram as seguintes:

Prisões
Primeiro, o Estado ainda não desenvolveu mecanismos para proteger presos que delatam o funcionamento dos grupos criminosos de dentro das prisões.
Exemplo disso é o assassinato do detento Edson Bezerra do Carmo, 35, na rebelião que destruiu a Casa de Custódia de Taubaté, em dezembro de 2000, liderada por membros do PCC (Primeiro Comando da Capital), principal facção criminosa do Estado.
Carmo, também conhecido como Gigante, escreveu uma carta à Corregedoria dos Presídios, três meses antes de morrer, denunciando esquema de fuga e homicídios que envolveriam a facção.
Foi assassinado no motim liderado pelo PCC, com outros oito detentos, antes que pudesse prestar depoimento. No meio dessa história, houve uma falha na escolta, que impediu o detento de ser ouvido pelo juiz-corregedor, e outra na sindicância, que não procurou saber os motivos dos assassinatos dos nove detentos -alguns dos quais foram decapitados e queimados.
Pelo medo, as facções edificam uma redoma ao seu redor, impedindo o Estado de entrar e coagindo mais detentos a ingressar em suas fileiras de ""associados".

Armas
Embora a lei brasileira tenha criado o Sinarm (Sistema Nacional de Armas) em 97, com a finalidade de cadastrar as armas no país -inclusive as apreendidas-, três submetralhadoras argentinas localizadas pela Folha ficaram de fora desse controle e nunca geraram nenhum tipo de investigação policial.
O caso não envolve armas comuns, importadas ilegalmente. São três submetralhadoras com número de patrimônio e brasão da Aeronáutica Argentina, apreendidas com diferentes grupos de assaltantes, em épocas e cidades diferentes de São Paulo. Não houve investigação para saber como chegaram ao país e descobrir quem as vendeu para organizações criminosas. Essas armas provocaram pelo menos duas vítimas fatais e dois feridos.
A polícia estadual não tem o hábito de investigar a origem dos armamentos que apreende com os bandidos. O cadastro estadual apresenta falhas -porque foi criado gradualmente a partir de 95- e não alimenta a inteligência policial para investigações.

Bombas
Um tipo de explosivo, da classe dos que os terroristas usam, foi incorporado ao arsenal do crime nos últimos cinco anos. Em 2001, houve três tentativas de fuga com bombas em São Paulo. Outro plano foi descoberto na semana passada, em Diadema (Grande SP). Um detento já morreu por causa do poder de destruição de uma bomba, e dois ficaram feridos.
Na quinta-feira passada, artefato semelhante foi encontrado embaixo do carro de um investigador, perto da sede da Polícia Civil, em Santos, no litoral de São Paulo.
Por lei, o Exército regula o armazenamento, o comércio e o transporte desse tipo de explosivo para empresas, como pedreiras, mas parece não ter precisão nesse acompanhamento. Segundo o Exército, os casos de roubo ou furto de explosivos são reduzidos. "Ocorreram um em 2000 e três em 2001, sendo que nenhum em SP." A Folha, porém, detectou dois furtos no Estado no ano passado, a partir de investigações em andamento na Polícia Civil.


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