São Paulo, domingo, 03 de fevereiro de 2002

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É preciso inibir a polícia, diz Hélio Luz

Ex-chefe da Polícia Civil do Rio afirma que é necessário controle interno, pois há policiais envolvidos nos crimes

FERNANDA DA ESCÓSSIA
DA SUCURSAL DO RIO

Ex-chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, o delegado Hélio Luz, 55, é direto: para diminuir o número de sequestros em São Paulo é preciso aumentar o controle interno da polícia, pois há policiais envolvidos com os crimes.
Hoje deputado estadual no Rio pelo PT, Luz dirigiu por dois meses em 1995 a DAS (Divisão Anti-Sequestros) e assumiu no mesmo ano a chefia da polícia. Sua gestão marcou o início da redução do número de sequestros no Estado. Os casos chegaram a 108 em 1995. Caíram para 58 em 1997, ano em que Luz deixou o cargo, em solidariedade à greve da Polícia Civil por aumento de salários.
"No Rio, quem estava sequestrando era a polícia. São Paulo está passando por isso", afirma o delegado. Luz adotou medidas polêmicas, como o uso de policiais considerados corruptos, porém eficientes, para elucidar sequestros. Iniciada na gestão de Luz, a redução dos sequestros continuou no Rio: no ano passado foram registrados nove casos.
 

Folha - O que o sr. encontrou na DAS (Divisão Anti-Sequestros)?
Hélio Luz -
Quem estava sequestrando era a polícia. São Paulo está passando por isso. Lógico que os sequestros de lá têm ligação com a polícia. Como foi aquele negócio do sequestrador do Silvio Santos? Desde o primeiro momento, o cheiro era de extorsão, "mineira" de policial.
A polícia de São Paulo é tão corrupta quanto a do Rio. As polícias são corruptas porque refletem o Estado brasileiro, que é corrupto. Os meios de controle interno não dão conta da corrupção, porque o Estado é corruptor e as elites se aproveitam disso.
Quando falo em polícia sequestrando, é Polícia Civil, Polícia Militar, Polícia Federal, Polícia Rodoviária. A primeira coisa para parar sequestro é controle interno da polícia. A outra é distribuição de renda, porque a desigualdade é causa da criminalidade.

Folha - Como foi o combate aos sequestros no Rio?
Luz -
Um dos maiores problemas que eu tive foi o empresariado. Empresário faz questão de dar dinheiro para a polícia, de manter a polícia corrupta. Não dêem dinheiro para a polícia, eu dizia. A polícia tem de reivindicar salário.
Outro problema era o dos seguros contra sequestros. Quando tem sequestro, essas empresas de seguros vão negociar o resgate. Acabei com isso, botei todo mundo para fora da DAS, assim como os advogados que negociavam resgate. Todo mundo ganhava dinheiro. Era um negocião.
Essas empresas cobram de cada empresário por mês, negociam com vagabundo, ficam com uma parte do resgate e pronto. O meu interesse era não pagar o resgate.

Folha - Como o sr. fez o que chama de controle interno da polícia?
Luz -
Quando eu cheguei na DAS, tinha 150 homens lá. Tinha cinco quadrilhas de policiais sequestrando. Eu disse: "A DAS a partir de hoje não sequestra mais, a polícia não sequestra mais". Falei: "Quem sequestrar vai perder arma e carteira. Quem quiser ficar aqui, é para a dura (para trabalhar). Quem não quer, rua". De 150 homens, ficaram 30.

Folha - Até que ponto chegava o envolvimento da polícia com os sequestros?
Luz -
Era total. Tinha camburão e carro da polícia escoltando pagamento de resgate. Não para garantir a segurança da família, mas para garantir que outra quadrilha não tomasse o dinheiro.

Folha - Para resolver sequestros e prender sequestradores, o sr. chamou policiais ligados à chamada "banda podre", o grupo Astra. Isso compensa?
Luz -
O que era o grupo Astra? Era o pessoal que tinha competência, mas era problemático, que tinha um pé na lama. Aí você chega para o cara e diz: "Meu irmão, é a tua chance de lavar o pé". O dirigente não pode botar o pé na lama, mas dá chance para quem está com o pé na lama limpar o pé.
Não houve acerto. Foi a chance que eles tiveram de lavar o pé.

Folha - O que o sr. acha da tese de que os sequestros no Rio caíram porque a polícia fez acordo com os traficantes, dizendo que liberaria o tráfico caso eles parassem os sequestros?
Luz -
Isso é estúpido, não existe isso. Isso é coisa de quem não conhece nem polícia nem vagabundagem no Rio. Quem vai iniciar essa negociação? Quem vai garantir um acordo desse?

Folha - O que o sr. acha da proposta de bloquear bens de pessoas sequestradas?
Luz -
É um absurdo. Você não pode chegar para um pai, uma mãe que tem dinheiro e está com um filho em cativeiro, e dizer para ele não pagar o resgate. Isso é uma tortura.Compete ao Estado ser competente e evitar o pagamento.


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