São Paulo, domingo, 03 de março de 2002

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TRÂNSITO

Em BH, Salvador, Rio e DF corte na iluminação pública favorece crescimento do número de acidentes fatais nas ruas

Morte por atropelamento dispara no apagão

Jorge Araujo/Folha Imagem
Pedestre na rua da Consolação (região central) fora da faixa de segurança; segundo o IML, as mortes por atropelamento caíram em SP


ALENCAR IZIDORO
IURI DANTAS
DA REPORTAGEM LOCAL

As mortes por atropelamento dispararam em municípios que reduziram a iluminação das ruas no racionamento de energia elétrica, encerrado anteontem.
Levantamento da Folha em seis capitais, cujos Estados estão entre as maiores frotas de veículos do país, indica que a violência no trânsito aumentou a partir de junho de 2001 principalmente naquelas que mais desligaram as lâmpadas dos postes -Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Salvador. Some-se a elas o Distrito Federal.
Os dados mostram uma inversão na tendência de queda das mortes desde a implantação do Código de Trânsito Brasileiro, em 1998, exceto em municípios que criaram alternativas para minimizar a falta de iluminação e na região Sul do país. Sem apagão, Curitiba e Porto Alegre mantiveram a redução das vítimas de atropelamento em 2001 -de 24% e 19%, respectivamente. Em São Paulo, os números são controversos.
O caso mais evidente da relação lâmpadas apagadas/aumento das mortes por atropelamento é Salvador, cujo departamento de trânsito forneceu à Folha dados detalhados, incluindo até mesmo os horários das ocorrências.
De janeiro a maio de 2001, quando ainda não havia racionamento de energia, as mortes por atropelamento caíram 29% em relação ao mesmo período do ano anterior -de 79 para 56.
De junho a dezembro, os registros subiram 37,5%. Detalhe: no segundo semestre, na comparação ano 2000 com ano 2001, houve queda de 2,5% nos registros de manhã e tarde -de 40 para 39- e alta de 70,7% nos de noite e madrugada -de 41 para 70. A capital da Bahia teve 19% das lâmpadas dos postes desligadas.
"É uma questão lógica de ver e ser visto. A maioria dos motoristas só tende a enxergar os pedestres se houver iluminação na rua", explica Cristina Aragón, gerente de educação do trânsito da Superintendência de Engenharia de Tráfego (SET) de Salvador.
Philip Anthony Gold, consultor de trânsito do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), evita comentar os resultados das capitais brasileiras que não apresentaram os horários das mortes.
"Há um risco muito grande de estarem subestimados, além da dificuldade de identificar os outros fatores. Quando diminui a iluminação pública, não é opinião minha, é certeza, comprovada no mundo inteiro, que os atropelamentos aumentam", afirma Gold, temendo que os dados escondam uma situação ainda mais alarmante sobre a falta de iluminação especificamente à noite.
O especialista David Duarte Lima, professor da Universidade de Brasília, diz que faltou "racionalidade" no apagão. "É possível economizar energia de maneira racional, mas tudo foi feito de forma atabalhoada. O desligamento poderia ter sido seletivo, não deveria atingir as ruas problemáticas em segurança de trânsito."

Tendência
Os números do Distrito Federal, que teve 20% de redução da iluminação pública, indicam uma tendência semelhante à verificada em Salvador. De janeiro a maio, as mortes por atropelamento caíram 1,5%. De junho a dezembro, houve aumento de 18% -sempre na comparação com os respectivos períodos do ano anterior.
No Rio de Janeiro, as estatísticas mostram que as mortes por atropelamento já apresentavam uma pequena elevação -de 12%- nos cinco primeiros meses de 2001. O quadro, porém, se agravou a partir de junho -quando as ocorrências subiram 41% em relação aos mesmos meses de 2000. A capital fluminense teve 29% das lâmpadas desligadas.
O mesmo quadro se repetiu em Belo Horizonte -onde os casos aumentaram em torno de 12% até maio e passaram a subir 19% no período do racionamento de energia. A queda de iluminação pública no município foi de 30%.
Na capital paulista, os dados do IML (Instituto Médico Legal) apontam queda de 11% das mortes por atropelamento no período do apagão -fato que a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) atribui a um projeto de iluminação das faixas de pedestre.
A Polícia Militar, porém, tem um levantamento diferente, baseado nos registros do CPTran (Comando de Policiamento de Trânsito), que só acompanha as ocorrências até que as vítimas sejam levadas ao pronto-socorro. Essas estatísticas mostram uma alta de 87% das mortes.
Os dados disponíveis comprovam aquilo que os especialistas previam, já que mais de metade dos atropelamentos ocorrem à noite. Mas as medidas atenuantes, em geral, não foram tomadas.
O racionamento foi instituído pelo governo federal no dia 21 de maio de 2001. A partir dessa data, as prefeituras receberam um prazo até 30 de junho para reduzir em 35% a carga de energia da iluminação pública. Os municípios começaram a religar as lâmpadas no final de janeiro deste ano, mas, em São Paulo, por exemplo, as luzes dos postes só voltarão ao normal no final deste mês.
No livro "Segurança de Trânsito: Aplicações de Engenharia para Reduzir Acidentes", publicado no Brasil em 1998, Philip Gold cita dados da Inglaterra que mostram uma queda de 43% nos acidentes noturnos com pedestres em locais cuja iluminação foi melhorada. Segundo ele, uma adaptação brasileira de pesquisas internacionais indica um custo de US$ 141 mil para cada morte no trânsito.
Estudo da própria CET de São Paulo em 103 faixas de pedestre, realizado na gestão anterior, mostrou uma redução de 50% na quantidade de atropelamentos após a instalação de luminárias.


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