São Paulo, segunda-feira, 03 de abril de 2006

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PANTANAL PAULISTANO

Área do J. Pantanal, na várzea do Tietê, na zona leste, foi afetada pelo transbordamento do rio

Favela continua alagada 5 dias após chuva

JOÃO WAINER
REPÓRTER-FOTOGRÁFICO

ROBERTO DE OLIVEIRA
DA REVISTA DA FOLHA

Água até o joelho, mau cheiro, lama e "ilhas" de lixo e entulho por toda parte. Esse é o cenário de pelo menos 50 casas, onde vivem cerca de 300 pessoas, no Jardim Pantanal, na zona leste de São Paulo, por causa do transbordamento do rio Tietê.
A água começou a subir com as chuvas da noite de quarta-feira passada. Chegou a 1 m e até o começo da noite de ontem ainda atingia cerca de 60 cm.
"Tivemos que correr para a casa da minha cunhada, numa área mais alta, porque a nossa ficou tomada pela água", conta a doméstica Maria Goreti Bispo Nascimento, 36, mostrando sua casa, de um cômodo de 4 m2, onde mora com seis filhos e o marido.
Os poucos móveis da moradora estavam apoiados sobre blocos de cimento. "Não temos como escoar a água porque tudo aqui está alagado. Ela não tem para onde ir. Nem nós", diz Maria Goreti. "O colchão das crianças ficou encharcado. Minha esperança é que a geladeira não estrague. Mas só posso verificar quando a água baixar, se ela baixar", disse.
É a terceira enchente que o bairro, conhecido como "cotovelo" do Tietê, enfrenta neste ano. As duas primeiras ocorreram entre janeiro e fevereiro, mas, segundo os moradores, a da última quarta foi a pior. Eles temem reviver a enchente de janeiro de 1997, quando algumas casas chegaram a ficar alagadas durante 18 dias.
O Jardim Pantanal é um bairro formado por invasões na várzea do rio Tietê. A área inunda durante o período de chuvas intensas.
Para Ronaldo Delfino de Sousa, 42, líder comunitário, a culpa da inundação não pode ser atribuída exclusivamente às chuvas, mas sim ao fechamento da barragem da Penha, no parque ecológico Tietê. "A barragem deixou o rio sem enchentes nas regiões onde transitam a elite, mas essa não é a realidade do Jardim Pantanal."
Segundo ele, depois do desaçoriamento de um trecho do rio feito em 99 e da abertura da barragem da Penha, as enchentes diminuíram na região. "O bairro ficou livre de enchentes durante dez anos. Elas voltaram a ocorre neste ano", disse Delfino.
O DAEE (Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado) nega relação entre as enchentes no bairro e a barragem da Penha (leia texto abaixo).
O terreno do Jardim Pantanal começou a ser ocupado há cerca de 20 anos. Um decreto previa a remoção de 5.000 famílias no final dos anos 90 para a construção de um parque. Segundo Delfino, apenas algumas delas deixaram a área e o parque não saiu do papel.
O DAEE informa que nos últimos anos o governo do Estado removeu cerca de mil famílias, mas outras 500 teriam ocupado a área.
Para o líder comunitário, falta um projeto do governo do Estado tanto de ordem habitacional como ambiental para resolver o problema de enchentes no bairro.
No "cotovelo" do Tietê existem cerca de 2.000 casas, quase todas ocupações feitas por migrantes, a maioria nordestina. Ontem, os moradores circulavam em contato direto com a água empoçada, inclusive muitas crianças.
"Na minha família tivemos três casos de hepatite, sem falar no número de leptospirose na vizinhança. Meu filho não vai à escola desde quinta. Tenho medo que ele se contamine", diz a dona-de-casa Liliam Oliveira da Silva, 27.
Com o bebê Elias de apenas dois meses nos braços, a doméstica Janilde Jesus Santos, 27, não pensa em deixar sua casa, que sofreu alagamento nas três enchentes este ano. Seu marido, Ivanildo Ferreira dos Santos, 27, diz a água estragou o guarda-roupa do casal e que a geladeira não funciona. Até as 18h de ontem, os dois cômodos, de 20 m2, da família permaneciam submersos em cerca de 80 cm.
Os moradores se recusam a ir para um abrigo, proposta oferecida pela prefeitura. "Quem vai cuidar do pouco que restou?", questionava o cozinheiro José João da Silva Filho, 45. "Quando a água baixar, vamos voltar para as nossas casas? E quando encher novamente, o que faremos?"


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