São Paulo, sábado, 03 de abril de 2010

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O resgate do cambuci

Bairro tenta evitar extinção da fruta que deu origem ao seu nome e que entrou para o cardápio de restaurantes famosos

LETICIA DE CASTRO
DA REPORTAGEM LOCAL

No largo do Cambuci, região central de São Paulo, uma discreta árvore passa quase despercebida em meio a espécies vistosas como a seringueira e a palmeira. O cambucizeiro, com pouco mais de três metros de altura, folhas elípticas verde-escuras, é dos últimos exemplares da espécie -cujo fruto dá nome ao bairro- na região.
Tipicamente paulista, nativa da mata atlântica, a árvore sofreu com o processo de urbanização e desmatamento e está ameaçada de extinção. No mês passado, entrou para a Arca do Gosto, projeto do Slow Food -entidade sem fins lucrativos que prega a gastronomia "ética e sustentável" e tem membros em 132 países- que pretende dar visibilidade a produtos regionais típicos ameaçados.
Após entrar para a lista, o fruto chamou a atenção de chefs de restaurantes como o Friccó, que criou o javali recheado com cambuci, e o Julia Gastronomia, que passou a oferecer suco de cambuci. O badalado DOM, do chef Alex Atala, tem em seu cardápio sorbet de cambuci.
Com casca fininha como a do caqui e polpa farta e cremosa, tem gosto azedo, levemente adocicado e bastante ácido. A fruta é tão rara que, em visita ao bairro, a reportagem teve acesso a uma única unidade, congelada, no restaurante Javali, que serve suco, sorvete e nhoque com molho de cambuci.
O produto mais tradicional, no entanto, é a cachaça de cambuci, cuja origem remete ao século 17. "Era a bebida preferida dos tropeiros, que cruzavam São Paulo em direção ao litoral e paravam no córrego de Lavapés para se refrescar e recolher as frutas para colocar na aguardente", diz o produtor Flavio Lemos, responsável pelo projeto que garantiu a vaga do cambuci na Arca do Gosto. Sua chácara, em Rio Grande da Serra (Grande São Paulo), produz cerca de 200 quilos por ano.

Resgate
Se no passado a oferta da fruta era farta naquela região da cidade, conforme desapareceu da paisagem, tornou-se quase desconhecida da população.
O jornaleiro Luiz Santos, 81, por exemplo, trabalha há dois anos ao lado do cambucizeiro cuja foto ilustra esta página, mas só soube da existência da fruta no ano passado, quando a prefeitura iniciou uma campanha de resgate da história do bairro. "É uma fruta mística e muito gostosa", diz Santos, referindo-se ao curioso formato, que lembra um disco voador.
As ações para resgatar a história do Cambuci começaram em 2009, quando um levantamento da prefeitura detectou que havia apenas oito cambucizeiros remanescentes. "Esse bairro era uma mata fechada com milhares de pés de cambuci, mas ninguém sabia disso", diz Eliana Peixe, da Incubadora de Projetos Sociais Autofinanciados, órgão ligado à Secretaria de Participação e Parceria, responsável pelas ações.
Desde então, o órgão passou a distribuir mudas para a população. Há 15 dias, a praça Helio Ansaldo recebeu três. Uma semana depois, porém, só restava uma. "Alguém retirou as mudas com cuidado, para plantar em outro lugar", afirma Eliana.
Outra iniciativa foi a criação da rota gastronômica do cambuci, evento que promove a degustação de pratos e a venda de produtos nas cidades paulistas que lideram a produção do fruto. Além de São Paulo, participam Paranapiacaba, Rio Grande da Serra, Salesópolis, Paraibuna e Natividade da Serra.
Atingindo até cinco metros de altura, o cambucizeiro é de difícil germinação e crescimento lento. Depende das fezes de animais como a paca e o cachorro-do-mato, que a usam na alimentação, para se espalhar.


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