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O resgate do cambuci
Bairro tenta evitar extinção da fruta que deu origem ao seu nome e que entrou para o cardápio de restaurantes famosos
LETICIA DE CASTRO
DA REPORTAGEM LOCAL
No largo do Cambuci, região
central de São Paulo, uma discreta árvore passa quase despercebida em meio a espécies
vistosas como a seringueira e a
palmeira. O cambucizeiro, com
pouco mais de três metros de
altura, folhas elípticas verde-escuras, é dos últimos exemplares da espécie -cujo fruto
dá nome ao bairro- na região.
Tipicamente paulista, nativa
da mata atlântica, a árvore sofreu com o processo de urbanização e desmatamento e está
ameaçada de extinção. No mês
passado, entrou para a Arca do
Gosto, projeto do Slow Food
-entidade sem fins lucrativos
que prega a gastronomia "ética
e sustentável" e tem membros
em 132 países- que pretende
dar visibilidade a produtos regionais típicos ameaçados.
Após entrar para a lista, o fruto chamou a atenção de chefs
de restaurantes como o Friccó,
que criou o javali recheado com
cambuci, e o Julia Gastronomia, que passou a oferecer suco
de cambuci. O badalado DOM,
do chef Alex Atala, tem em seu
cardápio sorbet de cambuci.
Com casca fininha como a do
caqui e polpa farta e cremosa,
tem gosto azedo, levemente
adocicado e bastante ácido. A
fruta é tão rara que, em visita ao
bairro, a reportagem teve acesso a uma única unidade, congelada, no restaurante Javali, que
serve suco, sorvete e nhoque
com molho de cambuci.
O produto mais tradicional,
no entanto, é a cachaça de cambuci, cuja origem remete ao século 17. "Era a bebida preferida
dos tropeiros, que cruzavam
São Paulo em direção ao litoral
e paravam no córrego de Lavapés para se refrescar e recolher
as frutas para colocar na aguardente", diz o produtor Flavio
Lemos, responsável pelo projeto que garantiu a vaga do cambuci na Arca do Gosto. Sua chácara, em Rio Grande da Serra
(Grande São Paulo), produz
cerca de 200 quilos por ano.
Resgate
Se no passado a oferta da fruta era farta naquela região da
cidade, conforme desapareceu
da paisagem, tornou-se quase
desconhecida da população.
O jornaleiro Luiz Santos, 81,
por exemplo, trabalha há dois
anos ao lado do cambucizeiro
cuja foto ilustra esta página,
mas só soube da existência da
fruta no ano passado, quando a
prefeitura iniciou uma campanha de resgate da história do
bairro. "É uma fruta mística e
muito gostosa", diz Santos, referindo-se ao curioso formato,
que lembra um disco voador.
As ações para resgatar a história do Cambuci começaram
em 2009, quando um levantamento da prefeitura detectou
que havia apenas oito cambucizeiros remanescentes. "Esse
bairro era uma mata fechada
com milhares de pés de cambuci, mas ninguém sabia disso",
diz Eliana Peixe, da Incubadora
de Projetos Sociais Autofinanciados, órgão ligado à Secretaria de Participação e Parceria,
responsável pelas ações.
Desde então, o órgão passou
a distribuir mudas para a população. Há 15 dias, a praça Helio
Ansaldo recebeu três. Uma semana depois, porém, só restava
uma. "Alguém retirou as mudas
com cuidado, para plantar em
outro lugar", afirma Eliana.
Outra iniciativa foi a criação
da rota gastronômica do cambuci, evento que promove a degustação de pratos e a venda de
produtos nas cidades paulistas
que lideram a produção do fruto. Além de São Paulo, participam Paranapiacaba, Rio Grande da Serra, Salesópolis, Paraibuna e Natividade da Serra.
Atingindo até cinco metros
de altura, o cambucizeiro é de
difícil germinação e crescimento lento. Depende das fezes de
animais como a paca e o cachorro-do-mato, que a usam na
alimentação, para se espalhar.
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