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São Paulo, sábado, 03 de maio de 2003

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AIDS

Gestão petista retoma estratégia polêmica do governo anterior para forçar diminuição dos preços de três medicamentos

Ministério ameaça quebrar patentes

FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL

O Ministério da Saúde volta a ameaçar três gigantes da indústria farmacêutica com a quebra de patentes para obter uma redução nos preços de drogas contra a Aids. As empresas serão chamadas a negociar neste mês.
Para exigir preços menores de três drogas, a pasta está na reta final de um novo estudo que mostra que o país, dono do maior programa de tratamento dos países em desenvolvimento, tem condições técnicas para iniciar a fabricação de produtos mais baratos em laboratórios públicos.
As drogas efavirenz (do laboratório farmacêutico Merck Sharp & Dohme), nelfinavir (Roche) e lopinavir (Abbott) poderão consumir neste ano mais de R$ 300 milhões, ou 60% de tudo que o governo pretende gastar no programa de medicamentos contra o vírus da Aids -R$ 516 milhões.
A situação é preocupante, uma vez que a pasta avalia que o orçamento previsto necessitará de suplementação de pelo menos R$ 57 milhões para a manutenção do fornecimento gratuito de drogas às 128 mil pessoas que devem precisar de tratamento neste ano.
Mesmo sem a conclusão do estudo, a Coordenação de Doenças Sexualmente Transmissíveis/ Aids do ministério informa que o trabalho mostra que a economia seria "significativa" se fosse iniciada a produção nacional. O trabalho, segundo o ministério, deve ficar pronto nos próximos dias.
Uma diminuição de 10% nos gastos seria suficiente para, por exemplo, bancar por um ano 3.000 projetos de ONGs que recebem verba pública para auxiliar portadores do vírus da Aids.
"Nossa posição é utilizar todos os instrumentos disponíveis, caso não consigamos uma redução dos preços", afirma Alexandre Grangeiro, coordenador-adjunto do Programa Nacional de DSTs/ Aids. Segundo ele, a preferência é pela negociação. "Mas a quebra de patente é prerrogativa nossa e temos base legal para isso", afirma. "Diante do cenário econômico, ou baixamos os preços ou iniciamos a produção nacional."
Com a decisão, o Ministério da Saúde da era petista retoma estratégia da gestão do ex-ministro José Serra (PSDB) que teve repercussão internacional.
O licenciamento compulsório está previsto na Lei de Patentes brasileira, de 1996, em casos em que houver abuso econômico ou venda por um período longo com ausência de produção local.
A partir de 2000, o ex-ministro Serra fez ameaças sucessivas aos laboratórios que produzem remédios para o coquetel anti-HIV, obteve descontos e a quebra de patentes não se concretizou. ONGs do mundo inteiro apoiaram a ação, assim como os governos de outros países.
Os EUA chegaram a levar a questão ao fórum máximo de arbitragem, a OMC (Organização Mundial do Comércio), que entendeu que a legislação brasileira não fere o Trips, acordo internacional sobre direitos de propriedade intelectual. O Trips prevê o licenciamento compulsório para os casos de emergência nacional.
A indústria farmacêutica teme uma redução de preços no Brasil justamente por causa do risco de um "efeito dominó", de que a decisão abra precedente e afete os lucros do setor em escala global. O programa de combate à Aids brasileiro é considerado modelo pelos organismos internacionais e assumiu a liderança em processos de negociação.
ONGs ligadas à área defendem que o governo cumpra a ameaça.
"Quebrar definitivamente as patentes é a única forma de seguir com essa política, pois não dispomos de dinheiro e o número de doentes de Aids aumenta a cada dia no Brasil", diz Mário Scheffer, diretor do Pela Vidda/São Paulo.


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